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domingo, 24 de agosto de 2014

Chapter XII - Connections

Acordei 5 min antes do despertador, desliguei antes que tocasse, assim não teria o risco da Dayanni acordar, já não queria que ela tivesse dormido aqui em casa, agora só pensava em como tirar ela do apartamento antes que a dona Maria chegasse, seria mais uma dor de cabeça em plena segunda-feira antes de tomar o café da manhã.
Não podia negar que a noite tinha sido boa, ela tinha o vigor da juventude e um corpo digno de se parar para observar. Ela estava deitada de bruços, nua, com o lençol branco cobrindo apenas até a linha da cintura enquanto um pequeno feixe de luz que entrava pela janela iluminava os cabelos dando um tom ainda mais vivo no vermelho fogo.
Eu poderia amá-la, certamente ela não faria perguntas sobre minha vida, não cobraria mais do que eu poderia dar, só teria que dar atenção e presentes de vez em quando, o pouco que eu tinha já era muito mais do que ela jamais pensou em ter, e esse medo de perder a oportunidade talvez já fosse o suficiente para ela.
No entanto não era tão simples assim, eu era incapaz de tolerar alguém por muito tempo sem fazer conexões, e o pior é que já fazia muito tempo que eu não fazia uma nova conexão, o que era o principal motivo de eu estar sozinho.
Eu me lembro quando minha irmã me disse que estava grávida, eu tinha saído do trabalho e estava em um bar com amigos da faculdade, a bateria do celular tinha acabado, cheguei em casa quase duas hora da madrugada, logo que pluguei o carregador comecei a receber mensagens: “Preciso falar com você”, “Me liga quando puder, rápido”, “É importantíssimo que eu fale com você hoje, me liga”... E eu vi que tinha mais 3 mensagens do marido dela, com conteúdo semelhantes, lembro como se fosse hoje, minha cabeça explodiu, pensei em todas desgraças possíveis, sabia que os dois estavam bem, mas imaginei que algo ruim poderia ter acontecido com meus pais, milhares de cenários passaram pela minha cabeça, nenhum deles agradável.
Liguei para ela, ainda estava acordada, no desespero já fui logo perguntando o que havia acontecido.
- Calma Bruno, não foi nada de ruim, tudo bem com você?
- Lê, não me enrola, como estão meus pais?  O que aconteceu?
- Calma Bruno, eu só estava ansiosa para falar com você, você vai ser tio, finalmente estou grávida!
Ela já estava tentando engravidar a quase um ano, todas primas já tinham engravidado, menos ela, eu lembro da expressão dela todas as vezes que via alguém com uma criança nos braços. Eu, por outro lado, sempre quis ser pai, e a ideia de um sobrinho ou sobrinha me empolgava muito, sendo ela minha única irmã, seria como uma parte de mim, quase um filho.
Então a barriga começou a crescer, ela sempre muito empolgada, conversava com a criança desde as primeiras semanas, todo mundo da família ficou bobo, menos eu. Eu não sentia aquilo como um ser vivo, como um momento mágico como eu sempre imaginei, não conseguia sentir a emoção de uma criança nova, não conseguia conversar com a criança na barriga.
Minha irmã cobrava, pois falava que ela já tinha que acostumar com a minha voz, é claro que eu passava a mão na barriga, conversava com a criança, comprava presentes, mas fazia pois sabia que isso era o esperado de mim, morria de medo de minha irmã achar que eu não me importava com a criança, já havia prometido para mim mesmo que iria fingir para o resto da vida se fosse preciso, todos teriam que acreditar que eu era louco pela criança, ainda que fosse apenas uma encenação da minha parte.
A verdade é que eu ficava cada vez mais desesperado, os meses se passavam e eu não sentia aquela criança como parte da minha família que eu tanto amava, pois eu acreditava que se realmente fosse, eu também a amaria, pois tinha um sentimento muito grande por toda minha família. Eu sei que tinha problemas em fazer novas conexões com pessoas novas, mas jamais imaginei que isso se aplicaria aos filhos da minha irmã, eu estava disposto a descer no inferno por ela se fosse preciso.
Então certo dia meu celular tocou, era meu cunhado, dizendo que minha irmã estava dando entrada no hospital para a criança nascer, havia chegado a hora. Eu não pensei duas vezes, saí do trabalho, peguei o carro e fui para a cidade da minha irmã, era minha obrigação fazer parte desse momento, me importando ou não.
O trânsito estava pesado, uma sexta-feira, todos voltando para a casa, muitas pessoas só ficam na capital durante a semana e na sexta voltam para suas casas. Foram umas das piores 3 horas da minha vida, eu pensei em chorar, não queria que a criança recém nascida recebesse a mesma indiferença que eu aplicava à todos, não queria tratá-la como eu tratava o Glauber por exemplo, alguém que eu queria ajudar pois acreditava que merecia, mas mesmo sabendo das dificuldades da vida dele não me importava o suficiente para o proteger do próprio pai.
Quando cheguei na maternidade meus pais e meu cunhado estavam no quarto junto com minha irmã, a bebê estava na maternidade e poderia chegar no quarto a qualquer momento para ser amamentada pela primeira vez. Depois da sessão de beijos, abraços e parabéns, sentei e aguardei para conhecer minha sobrinha, todos estavam em um estado de excitação que nunca tinha visto antes, extremamente felizes e comovidos com o nascimento da criança, naquele momento muita coisa tinha mudado, duas pessoas comuns tinham se tornado em pais, dois pais haviam se tornado avós, e por tabela eu tinha me tornado tio.
Para meu desespero a porta se abre, a enfermeira entra com a criança nos braços, um pacotinho minúsculo, não mais do que 50 cm de comprimento, eu nunca vou esquecer aquela cena, a primeira vez que coloquei os olhos naquela criança meu coração explodiu, meus olhos se encheram de lágrimas, e numa fração de segundos todas as prioridades da minha vida foram revistas, se alguém ainda tem alguma dúvida se existe amor à primeira vista, acreditem em mim, ele realmente existe.
Naquele instante eu fiz um conexão tão profunda com a criança que estava disposto a enfrentar o que fosse preciso para protegê-la. Eu fazia de tudo para evitar segurar bebês, se estivesse com menos 6 meses de vida nem que os pais insistissem muito… Eu segurei minha sobrinha com menos de 6 horas de vida, e se fosse possível jamais teria deixando que a tirassem do meu colo.
Eu nunca entendi isso, e por acreditar em Deus, sou eternamente grato a Ele por ter feito isso comigo, não sei se conseguiria encarar minha irmã nos olhos se não amasse sua filha, seria muito ruim ter que encenar por toda uma vida. Em todo caso, aquela foi a última conexão que eu havia feito, o ultimo amor da minha vida, a última pessoa que entrou para o grupo dos que eu realmente me importo.
Antes disso, a última tinha sido uma garota, ela também foi especial, mas por mistérios que eu jamais saberei, nunca tivemos nada. Eu a conheci em um final de ano, apesar de estar namorando, estava longe do meu par, tínhamos decidido que cada um passaria com sua própria família.
Foi tudo meio por acaso, ela era amiga de uma prima, não me chamou a atenção no começo, até porque se era amiga da minha prima deveria ser muito nova. Mas entre frases e outras, ela comentou que gostava de animê, aqueles desenhos animados japoneses, algo que no meu círculo social é raro, ainda mais raro entre mulheres.
Ela era carioca, quando a conheci tinha 19 anos, cabelos castanhos, olhos da mesma cor, a pele era bem clara, do tipo que fica vermelha e não morena quando toma sol. Nos tornamos grandes amigos, mas as coisas nunca deram certo, sempre estive presente quando percebi que era preciso, mas nunca nos encontramos na mesma página, e isso talvez seja um dos meus grandes arrependimentos.
Talvez eu não soubesse que nunca mais iria me apaixonar, e por isso não agi de forma mais agressiva, não me impus mais do que devia. Mas ela era mais jovem que eu quase uma copa, e eu não queria colocar pressão sobre alguém que deveria estar amadurecendo com a vida, e não comigo cobrando responsabilidades que ela ainda não tinha. No fundo ela ainda era uma menina, e como já disse, o que eu gosto mesmo é de mulher.
Mas a carioca cresceu, aprendeu com vida, teve suas decepções amorosas pelo caminho, eu soube de todas, pelos menos soube de todas que ela me contou. E quando menos esperava, vi que ela já não era mais uma menina, e sim uma mulher, uma mulher que eu queria do meu lado, e muito.
Tive diversas fases com ela, a primeira foi a fase do medo de acontecer algo, ela era mais jovem, eu ainda namorava, e eu não faço coisas que possam machucar os outros, pelo menos não de forma consciente. Depois teve uma fase que eu tinha medo que ela se apaixonasse e eu não tivesse uma desculpa boa o suficiente para mantê-la longe de mim. Por fim teve a fase que o único medo que eu tinha é se nunca acontecesse nada entre nós dois, nos falávamos constantemente, fazíamos planos, mas ela sempre tinha um imprevisto e não dava certo.
A carioca é minha amiga até hoje, passamos por diversas fases juntos, mas chegou um momento que eu segui em frente. Do nosso tempo, ela teve diversos namorados, alguns outros affairs, e eu sempre me mantive só, não a culpo por isso, tive minha oportunidades, apenas nunca me contentei em fazer as coisas pela metade, eu não queria apenas um final de semana com ela, não me sentiria satisfeito com uma noite, eu queria tudo, e tudo era algo que nunca tivemos a oportunidade de tentar.
Certo dia ela conheceu um cara mais velho, e nunca saberei explicar o motivo, mas eu sabia que seria diferente. Ela ainda falava que pensava em mim, que queria saber como seria se algo um dia acontecesse entre nós dois, mas ainda assim continuava com o outro cara. Eu tentei fazer algo, aproveitando que já ia viajar para o aniversário de um afilhado meu, parei na cidade dela, combinei de encontrar, ela nunca apareceu, 6 meses depois anunciou o noivado, com mais 6 meses veio o casamento, eu fui padrinho.
Durante toda a cerimônia eu fiz questão de não fazer contato visual, não a olhei nos olhos por nenhum momento. Na hora de ir embora fui me despedir, ela estava deslumbrante, foi a primeira vez que olhei nos olhos dela naquela noite, e naquele instante eu senti um certo misto entre medo e arrependimento no olhar, ela estava feliz com o casamento, ela amava o cara que tinha escolhido como marido, mas me ver ali na frente dela, vestida de noiva, fez com que seu coração acelerasse e surgisse uma dúvida sobre a escolha.
No momento eu não senti nada, como se um fio fosse cortado, sem dor alguma, eu realmente não senti nada, e ela se tornou mais uma pessoa que caminha pelo mundo. Ainda tenho até hoje um grande carinho por ela, mantemos contato, somos grandes amigos, mas não tenho desejo algum de ser nada além de amigos.
E nem mesmo amizade eu acreditava que poderia manter com a Dayanni, ela era rasa de mais, não tinha muita cultura, não gostava de estudar, não tinha costume de ler, de ver filmes, só queria saber de diversão, preferencialmente que envolvessem álcool e sexo. Um relacionamento duraria menos de uma semana, mas naquele momento eu tinha menos do que isso, eu tinha 30 min para acabar tudo.
Ela começou a se movimentar, abriu olhos e levantou o corpo me procurando pelo quarto, eu estava em pé ao lado da cama, encostado no gaveteiro de roupas.
- Bom dia! Atrasado ou com tempo sobrando?
- Bom dia, infelizmente atrasado, e não quero ser indelicado, mas a empregada chega em menos de 30 min…
- Tem certeza que não tem tempo?
E nesse momento ela se levantou, sem se cobrir, e caminhou na minha direção e me abraçou. Eu confesso que era uma proposta tentadora, não conheço ninguém que resistiria, mas eu não era como os outros, o prazer físico não passa de uma combinação química que corre pelo meu corpo.
- Infelizmente não… mas você não mora tão longe assim, não precisamos ter pressa de fazer tudo de uma vez…
Ela fez uma careta de que não havia gostado, me beijo e tentou me convencer, mas eu só pensava nos minutos que se passavam.
E eis que o universo que nem sempre conspira ao meu favor, resolver me ajudar, meu celular toca, minha irmã. Ela só queria avisar que eu tinha esquecido uma jaqueta na casa dela, que ela iria guardar, o tipo de ligação que não fazia o menor sentido, afinal de contas ela sabe que eu não me preocupo com essas coisas, e também sabe que eu não iria buscar de imediato a roupa. Mas foi o cenário ideal que eu precisava.
- Minha querida, aconteceu um imprevisto, pelo visto tentaram invadir meu escritório, preciso ir para lá agora, a polícia está me esperando, você tem 5 min para se vestir e descer comigo pelo elevador.
Ela não gostou, mas atendeu meu pedido, se vestiu rapidamente e saímos juntos pela porta, apertei o botão do térreo e da garagem do elevador, quando paramos no térreo ela me beijou e saiu, pedindo que eu ligasse quando chegasse em casa de noite.
Quando o elevador chegou no subsolo eu nem me dei ao trabalho de sair, simplesmente apertei meu andar novamente, quando passávamos pelo primeiro andar o elevador parou e a dona Maria entrou, já perguntando o que eu fazia ali, eu respondi que dei falta de uma jaqueta minha e havia descido para verificar se estava no carro, ela aparentemente acreditou e não fez mais perguntas.
Chegamos no meu andar e tudo continuou normal, fui para a academia, voltei e tomei meu banho, quando saí o café estava pronto, tudo havia ocorrido bem, o acaso parecia ter voltado a jogar do meu lado.
Porém quando estava me despedindo da dona Maria antes de ir para o trabalho ela me interrompeu.
- Bruno, por quê tem um travesseiro na sua cama? Você não dorme sem? Alguém dormiu aqui hoje?
- Não, eu estava lendo antes de dormir, ele acabou ficando na cama.
- Ah bom, por um momento pensei que você tinha dado outro tipo de aula para a Júlia…
- Eu acho mais fácil ela me dar uma aula no lugar de receber uma…
Nós dois rimos, minha felicidade é que estava de costas, e no momento da pergunta eu joguei um biscoito que estava na mesa do café na boca para ter tempo de pensar enquanto mastigava, a dona Maria é muito esperta, mas sem olhar para mim duvido que tenha desconfiado de algo, só espero que não tenham fios de cabelo vermelho na minha cama, para isso eu não teria desculpas.
Saí para o trabalho e dei sequência nas minhas demais rotinas diárias, o Glauber parecia normal, pelo visto o pai do garoto não havia aprontado mais nada, mas eu ainda estava preocupado com os possíveis problemas que ele poderia me trazer, não que fosse minha maior preocupação no momento, os desdobramentos da minha noite com a vizinha e com a Júlia ainda me preocupavam mais.
Falando em Júlia, ela não estava na academia, tudo bem que eu fui mais tarde, mas não tarde o suficiente para não encontrar com ela, em parte foi bom pois não tive de olhar para ela com os olhares da vergonha de quem tinha acabado de dormir com uma outra mulher que mal conhecia, mas ainda assim era estranho ela não ter aparecido. Se algo aconteceu, tenho certeza que a dona Maria vai me colocar em dia com o assunto, ela já faz isso sem eu pedir de qualquer forma, só espero que tudo esteja bem.