Acordei 5 min antes do despertador,
desliguei antes que tocasse, assim não teria o risco da Dayanni acordar, já não
queria que ela tivesse dormido aqui em casa, agora só pensava em como tirar ela
do apartamento antes que a dona Maria chegasse, seria mais uma dor de cabeça em
plena segunda-feira antes de tomar o café da manhã.
Não podia negar que a noite tinha sido
boa, ela tinha o vigor da juventude e um corpo digno de se parar para observar.
Ela estava deitada de bruços, nua, com o lençol branco cobrindo apenas até a
linha da cintura enquanto um pequeno feixe de luz que entrava pela janela
iluminava os cabelos dando um tom ainda mais vivo no vermelho fogo.
Eu poderia amá-la, certamente ela não
faria perguntas sobre minha vida, não cobraria mais do que eu poderia dar, só
teria que dar atenção e presentes de vez em quando, o pouco que eu tinha já era
muito mais do que ela jamais pensou em ter, e esse medo de perder a
oportunidade talvez já fosse o suficiente para ela.
No entanto não era tão simples assim,
eu era incapaz de tolerar alguém por muito tempo sem fazer conexões, e o pior é
que já fazia muito tempo que eu não fazia uma nova conexão, o que era o
principal motivo de eu estar sozinho.
Eu me lembro quando minha irmã me disse
que estava grávida, eu tinha saído do trabalho e estava em um bar com amigos da
faculdade, a bateria do celular tinha acabado, cheguei em casa quase duas hora
da madrugada, logo que pluguei o carregador comecei a receber mensagens:
“Preciso falar com você”, “Me liga quando puder, rápido”, “É importantíssimo
que eu fale com você hoje, me liga”... E eu vi que tinha mais 3 mensagens do
marido dela, com conteúdo semelhantes, lembro como se fosse hoje, minha cabeça
explodiu, pensei em todas desgraças possíveis, sabia que os dois estavam bem,
mas imaginei que algo ruim poderia ter acontecido com meus pais, milhares de
cenários passaram pela minha cabeça, nenhum deles agradável.
Liguei para ela, ainda estava acordada,
no desespero já fui logo perguntando o que havia acontecido.
- Calma Bruno, não foi nada de ruim,
tudo bem com você?
- Lê, não me enrola, como estão meus
pais? O que aconteceu?
- Calma Bruno, eu só estava ansiosa
para falar com você, você vai ser tio, finalmente estou grávida!
Ela já estava tentando engravidar a
quase um ano, todas primas já tinham engravidado, menos ela, eu lembro da
expressão dela todas as vezes que via alguém com uma criança nos braços. Eu,
por outro lado, sempre quis ser pai, e a ideia de um sobrinho ou sobrinha me
empolgava muito, sendo ela minha única irmã, seria como uma parte de mim, quase
um filho.
Então a barriga começou a crescer, ela
sempre muito empolgada, conversava com a criança desde as primeiras semanas,
todo mundo da família ficou bobo, menos eu. Eu não sentia aquilo como um ser
vivo, como um momento mágico como eu sempre imaginei, não conseguia sentir a
emoção de uma criança nova, não conseguia conversar com a criança na barriga.
Minha irmã cobrava, pois falava que ela
já tinha que acostumar com a minha voz, é claro que eu passava a mão na
barriga, conversava com a criança, comprava presentes, mas fazia pois sabia que
isso era o esperado de mim, morria de medo de minha irmã achar que eu não me
importava com a criança, já havia prometido para mim mesmo que iria fingir para
o resto da vida se fosse preciso, todos teriam que acreditar que eu era louco
pela criança, ainda que fosse apenas uma encenação da minha parte.
A verdade é que eu ficava cada vez mais
desesperado, os meses se passavam e eu não sentia aquela criança como parte da
minha família que eu tanto amava, pois eu acreditava que se realmente fosse, eu
também a amaria, pois tinha um sentimento muito grande por toda minha família.
Eu sei que tinha problemas em fazer novas conexões com pessoas novas, mas
jamais imaginei que isso se aplicaria aos filhos da minha irmã, eu estava
disposto a descer no inferno por ela se fosse preciso.
Então certo dia meu celular tocou, era
meu cunhado, dizendo que minha irmã estava dando entrada no hospital para a
criança nascer, havia chegado a hora. Eu não pensei duas vezes, saí do
trabalho, peguei o carro e fui para a cidade da minha irmã, era minha obrigação
fazer parte desse momento, me importando ou não.
O trânsito estava pesado, uma sexta-feira,
todos voltando para a casa, muitas pessoas só ficam na capital durante a semana
e na sexta voltam para suas casas. Foram umas das piores 3 horas da minha vida,
eu pensei em chorar, não queria que a criança recém nascida recebesse a mesma
indiferença que eu aplicava à todos, não queria tratá-la como eu tratava o
Glauber por exemplo, alguém que eu queria ajudar pois acreditava que merecia,
mas mesmo sabendo das dificuldades da vida dele não me importava o suficiente
para o proteger do próprio pai.
Quando cheguei na maternidade meus pais
e meu cunhado estavam no quarto junto com minha irmã, a bebê estava na
maternidade e poderia chegar no quarto a qualquer momento para ser amamentada
pela primeira vez. Depois da sessão de beijos, abraços e parabéns, sentei e
aguardei para conhecer minha sobrinha, todos estavam em um estado de excitação
que nunca tinha visto antes, extremamente felizes e comovidos com o nascimento
da criança, naquele momento muita coisa tinha mudado, duas pessoas comuns
tinham se tornado em pais, dois pais haviam se tornado avós, e por tabela eu
tinha me tornado tio.
Para meu desespero a porta se abre, a
enfermeira entra com a criança nos braços, um pacotinho minúsculo, não mais do
que 50 cm de comprimento, eu nunca vou esquecer aquela cena, a primeira vez que
coloquei os olhos naquela criança meu coração explodiu, meus olhos se encheram
de lágrimas, e numa fração de segundos todas as prioridades da minha vida foram
revistas, se alguém ainda tem alguma dúvida se existe amor à primeira vista,
acreditem em mim, ele realmente existe.
Naquele instante eu fiz um conexão tão
profunda com a criança que estava disposto a enfrentar o que fosse preciso para
protegê-la. Eu fazia de tudo para evitar segurar bebês, se estivesse com menos
6 meses de vida nem que os pais insistissem muito… Eu segurei minha sobrinha
com menos de 6 horas de vida, e se fosse possível jamais teria deixando que a
tirassem do meu colo.
Eu nunca entendi isso, e por acreditar
em Deus, sou eternamente grato a Ele por ter feito isso comigo, não sei se
conseguiria encarar minha irmã nos olhos se não amasse sua filha, seria muito
ruim ter que encenar por toda uma vida. Em todo caso, aquela foi a última
conexão que eu havia feito, o ultimo amor da minha vida, a última pessoa que
entrou para o grupo dos que eu realmente me importo.
Antes disso, a última tinha sido uma
garota, ela também foi especial, mas por mistérios que eu jamais saberei, nunca
tivemos nada. Eu a conheci em um final de ano, apesar de estar namorando,
estava longe do meu par, tínhamos decidido que cada um passaria com sua própria
família.
Foi tudo meio por acaso, ela era amiga
de uma prima, não me chamou a atenção no começo, até porque se era amiga da
minha prima deveria ser muito nova. Mas entre frases e outras, ela comentou que
gostava de animê, aqueles desenhos animados japoneses, algo que no meu círculo
social é raro, ainda mais raro entre mulheres.
Ela era carioca, quando a conheci tinha
19 anos, cabelos castanhos, olhos da mesma cor, a pele era bem clara, do tipo
que fica vermelha e não morena quando toma sol. Nos tornamos grandes amigos,
mas as coisas nunca deram certo, sempre estive presente quando percebi que era
preciso, mas nunca nos encontramos na mesma página, e isso talvez seja um dos
meus grandes arrependimentos.
Talvez eu não soubesse que nunca mais
iria me apaixonar, e por isso não agi de forma mais agressiva, não me impus
mais do que devia. Mas ela era mais jovem que eu quase uma copa, e eu não
queria colocar pressão sobre alguém que deveria estar amadurecendo com a vida,
e não comigo cobrando responsabilidades que ela ainda não tinha. No fundo ela
ainda era uma menina, e como já disse, o que eu gosto mesmo é de mulher.
Mas a carioca cresceu, aprendeu com
vida, teve suas decepções amorosas pelo caminho, eu soube de todas, pelos menos
soube de todas que ela me contou. E quando menos esperava, vi que ela já não
era mais uma menina, e sim uma mulher, uma mulher que eu queria do meu lado, e
muito.
Tive diversas fases com ela, a primeira
foi a fase do medo de acontecer algo, ela era mais jovem, eu ainda namorava, e
eu não faço coisas que possam machucar os outros, pelo menos não de forma
consciente. Depois teve uma fase que eu tinha medo que ela se apaixonasse e eu
não tivesse uma desculpa boa o suficiente para mantê-la longe de mim. Por fim
teve a fase que o único medo que eu tinha é se nunca acontecesse nada entre nós
dois, nos falávamos constantemente, fazíamos planos, mas ela sempre tinha um
imprevisto e não dava certo.
A carioca é minha amiga até hoje, passamos
por diversas fases juntos, mas chegou um momento que eu segui em frente. Do
nosso tempo, ela teve diversos namorados, alguns outros affairs, e eu sempre me
mantive só, não a culpo por isso, tive minha oportunidades, apenas nunca me
contentei em fazer as coisas pela metade, eu não queria apenas um final de
semana com ela, não me sentiria satisfeito com uma noite, eu queria tudo, e
tudo era algo que nunca tivemos a oportunidade de tentar.
Certo dia ela conheceu um cara mais
velho, e nunca saberei explicar o motivo, mas eu sabia que seria diferente. Ela
ainda falava que pensava em mim, que queria saber como seria se algo um dia
acontecesse entre nós dois, mas ainda assim continuava com o outro cara. Eu
tentei fazer algo, aproveitando que já ia viajar para o aniversário de um
afilhado meu, parei na cidade dela, combinei de encontrar, ela nunca apareceu,
6 meses depois anunciou o noivado, com mais 6 meses veio o casamento, eu fui
padrinho.
Durante toda a cerimônia eu fiz questão
de não fazer contato visual, não a olhei nos olhos por nenhum momento. Na hora
de ir embora fui me despedir, ela estava deslumbrante, foi a primeira vez que
olhei nos olhos dela naquela noite, e naquele instante eu senti um certo misto
entre medo e arrependimento no olhar, ela estava feliz com o casamento, ela
amava o cara que tinha escolhido como marido, mas me ver ali na frente dela,
vestida de noiva, fez com que seu coração acelerasse e surgisse uma dúvida
sobre a escolha.
No momento eu não senti nada, como se
um fio fosse cortado, sem dor alguma, eu realmente não senti nada, e ela se
tornou mais uma pessoa que caminha pelo mundo. Ainda tenho até hoje um grande
carinho por ela, mantemos contato, somos grandes amigos, mas não tenho desejo
algum de ser nada além de amigos.
E nem mesmo amizade eu acreditava que
poderia manter com a Dayanni, ela era rasa de mais, não tinha muita cultura,
não gostava de estudar, não tinha costume de ler, de ver filmes, só queria
saber de diversão, preferencialmente que envolvessem álcool e sexo. Um relacionamento
duraria menos de uma semana, mas naquele momento eu tinha menos do que isso, eu
tinha 30 min para acabar tudo.
Ela começou a se movimentar, abriu
olhos e levantou o corpo me procurando pelo quarto, eu estava em pé ao lado da
cama, encostado no gaveteiro de roupas.
- Bom dia! Atrasado ou com tempo
sobrando?
- Bom dia, infelizmente atrasado, e não
quero ser indelicado, mas a empregada chega em menos de 30 min…
- Tem certeza que não tem tempo?
E nesse momento ela se levantou, sem se
cobrir, e caminhou na minha direção e me abraçou. Eu confesso que era uma
proposta tentadora, não conheço ninguém que resistiria, mas eu não era como os
outros, o prazer físico não passa de uma combinação química que corre pelo meu
corpo.
- Infelizmente não… mas você não mora
tão longe assim, não precisamos ter pressa de fazer tudo de uma vez…
Ela fez uma careta de que não havia
gostado, me beijo e tentou me convencer, mas eu só pensava nos minutos que se
passavam.
E eis que o universo que nem sempre
conspira ao meu favor, resolver me ajudar, meu celular toca, minha irmã. Ela só
queria avisar que eu tinha esquecido uma jaqueta na casa dela, que ela iria
guardar, o tipo de ligação que não fazia o menor sentido, afinal de contas ela
sabe que eu não me preocupo com essas coisas, e também sabe que eu não iria
buscar de imediato a roupa. Mas foi o cenário ideal que eu precisava.
- Minha querida, aconteceu um
imprevisto, pelo visto tentaram invadir meu escritório, preciso ir para lá
agora, a polícia está me esperando, você tem 5 min para se vestir e descer
comigo pelo elevador.
Ela não gostou, mas atendeu meu pedido,
se vestiu rapidamente e saímos juntos pela porta, apertei o botão do térreo e
da garagem do elevador, quando paramos no térreo ela me beijou e saiu, pedindo
que eu ligasse quando chegasse em casa de noite.
Quando o elevador chegou no subsolo eu
nem me dei ao trabalho de sair, simplesmente apertei meu andar novamente,
quando passávamos pelo primeiro andar o elevador parou e a dona Maria entrou,
já perguntando o que eu fazia ali, eu respondi que dei falta de uma jaqueta
minha e havia descido para verificar se estava no carro, ela aparentemente
acreditou e não fez mais perguntas.
Chegamos no meu andar e tudo continuou
normal, fui para a academia, voltei e tomei meu banho, quando saí o café estava
pronto, tudo havia ocorrido bem, o acaso parecia ter voltado a jogar do meu
lado.
Porém quando estava me despedindo da
dona Maria antes de ir para o trabalho ela me interrompeu.
- Bruno, por quê tem um travesseiro na
sua cama? Você não dorme sem? Alguém dormiu aqui hoje?
- Não, eu estava lendo antes de dormir,
ele acabou ficando na cama.
- Ah bom, por um momento pensei que
você tinha dado outro tipo de aula para a Júlia…
- Eu acho mais fácil ela me dar uma
aula no lugar de receber uma…
Nós dois rimos, minha felicidade é que
estava de costas, e no momento da pergunta eu joguei um biscoito que estava na
mesa do café na boca para ter tempo de pensar enquanto mastigava, a dona Maria
é muito esperta, mas sem olhar para mim duvido que tenha desconfiado de algo,
só espero que não tenham fios de cabelo vermelho na minha cama, para isso eu
não teria desculpas.
Saí para o trabalho e dei sequência nas
minhas demais rotinas diárias, o Glauber parecia normal, pelo visto o pai do
garoto não havia aprontado mais nada, mas eu ainda estava preocupado com os
possíveis problemas que ele poderia me trazer, não que fosse minha maior
preocupação no momento, os desdobramentos da minha noite com a vizinha e com a
Júlia ainda me preocupavam mais.
Falando
em Júlia, ela não estava na academia, tudo bem que eu fui mais tarde, mas não
tarde o suficiente para não encontrar com ela, em parte foi bom pois não tive
de olhar para ela com os olhares da vergonha de quem tinha acabado de dormir
com uma outra mulher que mal conhecia, mas ainda assim era estranho ela não ter
aparecido. Se algo aconteceu, tenho certeza que a dona Maria vai me colocar em
dia com o assunto, ela já faz isso sem eu pedir de qualquer forma, só espero
que tudo esteja bem.