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terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Chapter XIII - Oneself

    Já era o terceiro dia que eu não via a Júlia, o terceiro dia que a dona Maria não falava nada sobre ela, e também o terceiro dia que seguido que a vizinha me mandava mensagens a cada 30 min. Eu já estava ficando louco com tudo isso.
    Quando a dona Maria chegou eu já fui logo perguntando “Você tem visto a Júlia? Nunca mais a vi na acadermia…”. Como sempre, ela colocou aquela expressão de quem é dona da razão, como quem diz “Eu não te disse?”.
   - Quer dizer que agora o senhor está preocupado com ela? Esperou 3 dias inteiros para ter coragem de me perguntar?
   - Claro que não, não faltou coragem, só não achei sentido de perguntar antes, afinal de contas não estou tomando conta da vida dela, estou curioso apenas como amigo.
          - Por que você não manda uma mensagem para ela? Ou liga direto no celular dela? Ou melhor ainda, por que não vai até o apartamento dela e bate na porta?
    - Eu fiz uma pergunta simples, se não tem nada a dizer, por mim ok - Falei de forma seca, deixando claro que não estava com brincadeiras…
    - Eu não sou um dos seus funcionários da firma Bruno, não adianta dar essa de chefe impaciente esperando que eu me comporte como um funcionário que tem medo de perder o emprego, eu não sou sua mãe também, não precisa esconder as coisas de mim, não vou brigar com você ou te por de castigo!
Essa mulher era fantástica, eu sentia falta de conviver com mais pessoas assim, com coragem de falar o que pensa, sem medo da reação dos outros, e disposta a arcar com as consequências das próprias palavras...
    - Eu sei dona Maria, mas as vezes a senhora realmente se comporta como a minha mãe, fazendo perguntas e segurando respostas apenas para se sentir por cima na situação, e sabe que eu sempre me estresso com isso. 
    - Ok, ok, vamos para com essa discussão besta, você quer saber da Júlia? Pois bem, não sei dela diretamente, mas conversei com a mãe dela ontem no final do dia, ela está mal, digo triste, saiu com um cara e não foi muito bem, o cara queria ir mais rápido do que ela estava disposta, e quando ela deixou claro isso ele não aceitou muito bem, foi embora e ela teve que voltar de taxi para casa.
Eu deveria ter feito algum curso de ocultação de cadaver ao longo da minha vida, tenho um amigo que sempre que alguém dava alguma mancada ele dizia “poxa cara, você é legal e tudo, mas não vai ter jeito, vou ter que te sacrificar…”, e eu sempre dizia que o problema era sumir o corpo, se tivesse um curso que ensinasse isso tudo ficaria mais fácil.
Mas talvez o que mais me incomodasse era a quantidade de encontros e desencontros que acontecia no mundo, mais especificamente na minha vida, pois veja bem, enquanto um cara X qualquer dava em cima dela e forçava uma transa logo no primeiro encontro, eu levava uma desconhecida, antes mesmo do primeiro encontro, para minha cama, ou seja, eu contribuia para o mundo ser assim, reforçando a idéia que era normal isso, até o ponto que um idiota qualquer achasse um absurdo isso não acontecer. Não vejo problema algum em acontecer, mas acho um absurdo alguém constrager ou forçar alguém que não esteja disposto a isso.
   - Mas ela continua indo no trabalho normalmente? O cara não trabalhava com ela?
    - Isso é que é o pior, pois ela disse que os outros ficam falando baixinho pelos cantos, pois certamente o rapaz espalhou alguma coisa sobre o encontro.
    - Qual era o nome dele mesmo? 
    - Não se meta com isso Bruno, deixa o rapaz em paz! - E com um sorriso malicioso no rosto - Mas o nome dele é Davi.
    Eu não tinha muito o que fazer, até porque tudo o que eu fizesse poderia ser caracterizado como crime, mas como vivemos no país da impunidade, as vezes vestimos a mão esquerda de Deus, e garantimos a justiça com as próprias mãos, isso é errado de diversas formas, mas eu não estava pensando nisso agora.
    Fui para o trabalho como qualquer outro dia, mandei cancelar todos créidto das minha agenda, hoje seria um dia atípico.
    Mais uma vez comecei pelas redes sociais, entrei no perfil da Júlia e procurei por Davi, encontrei meia dúzia de resultados, apenas um deles trabalhava no mesmo local, só podia ser ele. Criei uma página falsa na própria rede social sobre uma rádio e mandei mensagem que ele tinha ganho 2 tickets para o cinema, bastava ele clicar no link e fazer o cadastro, mas na verdade quando ele clicasse no link iria direcionar para um site falso que eu já tinha feito no passado, quando fui dar uma palestra sobre segurança digital numa faculdade.
    A página falsa tinha alguns campos básicos, mas a verdade era que quando o site carregava ele também infectava o computador com um cavalo de tróia, que mais tarde permitiria que eu roubasse algumas informações pessoais, inclusive o acesso da rede social.
    Enquanto meu mais novo amigo ainda não acessava a página, eu fui para a parte B do plano, que incluia um editor de imagens potente. No próprio perfil do rapaz eu achei algumas fotos dele com amigos em festas e churrascos, inclusive bêbado em algumas, cenário perfeito para começar minha diversão ilegal.
    Busquei no google por alguns termos: “travesti”, “transexual”, “mulher feia”, e ai o pacote estava completo, só dependia da minha habilidade no editor de imagens. O trabalho final ficou bom, poucos perceberiam as edições, e antes que qualquer um reclame das montagens que eu fiz, eu não estava me importando com isso, nada ofende mais um típico “machão” do que acusa-lo de ter saído com um homem ou mulheres muito feias. Eu entendo que posso ter ofendido outras pessoas no meio da minha vingança pessoal, mas não seria a primeira vez que estava tomando decisões precipitadas e de cabeça quente nos últimos dias.
    Assim que cheguei em casa meu celular apitou, um novo e-mail, era do meu site falso avisando que minha vítima tinha caído na armadilha, a partir de agora eu tinha acesso total ao perfil do Davi. Troquei a foto de perfil dele por uma montagem dele beijando um travesti, adicionei outras fotos semelhantes e também troquei a senha, não gastei mais do que 30 min, e nesse pequeno intervalo diversos comentários começaram a aparecer na página dele, de alguns amigos zuando e outros sem entender a situação, no final das contas só lembrava de uma frase infantil de um filme antigo: “mal-feito feito”.
    Peguei meu tablet e fui para o apartamento da Júlia, quando toquei a campainha ela mesmo atendeu, assustada com minha presença, como era de se esperar.
    - O que você está fazendo aqui Bruno?
    - Tá com fome? Tem um carrinho de lanche pé-sujo na esquina que deve fazer muito mal, mas tem cara de muito gostoso, topa?
    - Para de brincadeira Bruno, o que você está fazendo aqui?
    - Conversei com a dona Maria, ela me contou por alto o que aconteceu com você outra noite, que saiu acompanhada e voltou sozinha, eu não me aguentei e me vinguei do cara, mas só te conto de barriga cheia, topa comer ou não?
Nesse momento ele fez uma cara que eu nunca tinha visto nela, não sabia se ela iria me xingar e pedir que eu parasse de me meter na vida dela, se iria me agradecer ou iria simplesmente chorar.
    - Ok, mas você paga!
    - Sure!
    - O que?
    - Claro!
Enquanto comiámos, pedi que ela me contasse o que aconteceu, e nesse momento usei minhas expressão de credibilidade, do cara correto que oferece um ombro amigo, deixando claro que naquele momento eu era o Bruno que estaria do lado dela para apoiar quando fosse preciso.
A história dela não era muito diferente do que dona Maria tinha contado, ela inclusive deixou algumas lágrimas escorrerem enquanto contava, eu fiquei desconcertado, nunca sei o que fazer quando alguém chora na minha frente, ainda mais a Júlia, que não sabia exatamente o que sentia por ela.
No entanto rapidamente a expressão dela mudou quando contei o que fiz, ela tentou me recriminar, usar o discurso de moralmente correta, que um erro não justifica o outro, que só me faziam querer abraça-la ainda mais, pois apesar de tudo ela ainda estava defendendo seus valores, escolhendo não melhor a decisão, mas sim a mais correta, é difícil encontrar pessoas que pensam assim.
Quando eu mostrei as fotos no tablet e todas repercussão nos comentários, ela não se aguentou, primeiro abriu um sorriso e tentou segurar a risada, mas não conseguia, parecia uma criança, assim como minha sobrinha, que dá gargalhadas de coisas tão simples quanto rasgar um pedaço de papel.
Ela me agradeceu pelo o que eu tinha feito, mas ainda sim me lembrou de que era errado e eu não deveria ter feito, mas logo depois veio a parte difícil, a conversa séria que eu tinha medo de acontecer no momento que a chamei para comer.
Ela começou contando sobre o que a levou a aceitar o pedido de sair com o Davi, de como se sentia insegura com tudo na vida, o medo de sair de casa, de tentar um trabalho mais desafiador, de realmente prestar o vestibular e ter uma profissão que a valorizasse mais, mas como as coisas que aconteceram na sua vida a faziam se sentir tão frágil. Ela comentou que quando foi aprovada na entrevista para o emprego atual pensou que só tinha passado porque era bonita e não porque era competente, que o Davi só dava em cima dela porque achou que ela era uma GBR (eu também não entendi na hora, depois ela me explicou que o termo utilizado pelos rapazes como “gatinha de baixa renda”) que não se valorisasse e transaria no primeiro encontro, também falou que nunca teve apoio dentro de casa e por isso tinha medo de se arriscar mais.
Enquanto ela falava eu tentava montar paralelos com a minha vida, sobre a forma como fui criado, as lições que aprendi com meus pais e todas minhas experiencias de vida. Eu sempre fui muito confiante em mim mesmo, nunca tive medo de encarar o mundo, e nunca tinha parado para pensar exatamente o motivo de me sentir assim, mas enquanto ela falava eu percebia o quanto éramos diferentes e que tudo isso era motivo de simples detalhes nos nossos passados.
As maiores diferenças começaram dentro de casa, eu sempre tive ótimos exemplos, minha irmã é uma das pessoas mais inteligentes que eu conheço, ela é capaz de fazer praticamente qualquer coisa, só não sente vontade de se provar, foi olhando para ela que eu fiz minhas primeiras escolhas independentes na vida, ou não tão independentes assim, afinal de contas tinha ela como exemplo… foi ela que me ensinou fazer minha primeira conta de matemática, que me ofereceu o primeiro livro para ler, que comprou e me deu de presente meu primeiro livro, que quando eu acreditava que nunca iria fazer uma faculdade, pois meus pais não tinha feito, disse que ela faria, e eu também. Ela foi quem segurou minha mão nos meus primeiros passos, mas logo eu quis correr, e ela não quis correr comigo, continuou na sua vida menos complexa e mais feliz, apenas me surpreendendo vez ou outra com uma atitude e dizendo que é a única que realmente me entende. No fundo ela realmente é única pessoa que me entende, talvez só não saiba que o motivo disso é porque eu copiei dela diversas partes minha, que ela reconhece sem saber o por quê.
A Júlia era diferente, tinha uma irmã mais velha que não dava atenção para ela, que saiu cedo de casa para casar com o namorado de infância, o que não é muito diferente da minha irmã, mas a diferença é que a irmã dela não deixou exemplos tão bons, não ensinou tantas coisas quanto foram ensinadas para mim.
O pai da Júlia sempre foi ausente, saia cedo de casa para trabalhar e chegava tarde, sentando na frente da televisão e assisitindo toda programação até a hora de dormir, poucas palavras e poucos ensinamentos, nenhum exemplo claro a ser seguido.
Em materia de pai, seu eu acreditasse em sorte, diria que tirei sorte grande… Meu pai é exepcional, meu maior exemplo, o alicerce de toda uma vida. O mais interessante é que não lembro de nenhum momento em que ele tenha sentado do meu lado para me explicar algo, sempre foi de poucas palavras, mas sempre teve uma conduta impecável, sempre foi um ótimo exemplo, tão bom que me motiva a seguí-lo. Sempre acreditou em mim, sempre me motivou, nunca desconfiou quando outros teriam, o cara que me trás um orgulho absurdo de carregar o sobrenome dele.
Eu me lembro uma vez nas férias, eu estava jogando sinuca de duplas com alguns primos e tios e ele apenas observando, até que cheguei numa situação em que era minha vez de jogar, eu precisava encaçapar três bolas, a dupla adversária estava por apenas uma bola que já estava na eminência de cair em uma das caçapas. Eu sabia que para ganhar eu precisava acabar com o jogo ali, mas estava em uma posição difícil de matar minhas três bolas, por praxe perguntei que jogaria depois, para saber o quão boa deveria ser minha defesa para a situação em que eu não conseguisse matar todas bolas, naquele momento meu pai falou: “Você é o próximo, afinal de contas você vai encaçapar a bola na próxima tacada”. Alguma pessoas podem considerar prepotente a frase do meu pai, podem considerar que ele colocou pressão mim, eu vejo de uma forma totalmente diferente, ele confiou em mim, no momento em que eu começava a desconfirar se eu seria capaz de concluir minha jogada, ele disse que eu era capaz, e eu fui totalmente confiante, ganhei o jogo. Nas vezes que ele me apoiou e eu perdi, ele me apoiava da mesma forma, nas vezes que eu ficava bravo em perder, ele demonstrava que todo muito perde, e não há problema algum nisso.
Nossas mães poderiam parecer mais semelhantes, mas eram ainda mais diferentes. Ambas passaram grade parte da vida tomando conta da casa e dos filhos, só trabalharam em momentos em que realmente foi necessário, tinham estudado pouco e tinha pouca cultura, mas as semelhanças paravam por ai.
Minha mãe é uma das pessoas mais extraordinárias que conheci na minha vida, é uma pena que talvez ela não saiba disso, tenho quase certeza que ela acha que eu não gosto muito dela, pois sempre estamos discutindo e nos exaltando, mas isso é porque somos muito parecidos, e nenhum dos dois consegue ficar calado diante uma dicussão.
Se eu falei que meu pai era todo incentivo, todo apoio, minha mãe sempre foi toda força, ela me ensinou que nem sempre eu vou ter o conhecimento, o talento, a técnica, mas isso não me faz menor ou pior que os outros, que meu nariz não deve ficar apontado para baixo, nem para cima, mas para frente. Diversas vezes eu falhei na minha vida, em quase todas elas eu pensei em desistir, em aceitar a derrota, se nunca fiz isso, foi porque a energia da minha mãe habita em mim.
Eu nunca tinha parado para pensar no caminho que eu tinha percorrido, pois sempre considerei que tudo que tive na minha vida era comum a todos, mas não era, as diversas diferenças na trajetória de cada pessoas as tornam completamente diferentes. Eu jamais seria quem eu sou hoje se eu não tivesse acreditado que eu era capaz de fazer o que eu quisesse, conforme meu pai confiava em mim, se não tivesse a força de levantar a cabeça fora dágua nos momentos que eu tinha certeza que eu não tinha mais chances, conforme minha mãe me ensinou, e se eu não tivesse dados meus primeiros passos com uma guia tão boa quanto minha irmã, que é o que me leva crer que ela será uma ótima mãe, como já tem sido.
Mas a Júlia viveu primaveras diferentes da minha, ela não confiava nela mesma, ela não tinha forças para levantar a cabeça após um fracasso, e nunca teve bons exemplos para dar os primeiros passos. Mas ainda assim ela era diferente, ela tinha valores, e me encantava, naquele momento de fraqueza, minha vontade de abraça-la era cada vez maior, mas eu sabia que muita coisa acontecia no momento, ela estava fragilizada, e eu tinha dormido com outra mulher poucos dias atrás, se ela descobrisse isso, ficaria ainda mais fragilizada.
Eu não sabia a quanto tempo ela estava falando, não sei se perdi algumas palavras enquanto caminhava pelos meus pensamentos, mas eu prestei muita atenção nas palavras finais…
    - ...por isso que eu sei que você nunca vai gostar de mim, porque eu sou fraca, e você é forte, e você deve achar que eu sou uma criança, que não consegue fazer nada direito sozinha…
    - Júlia. Eu sempre gostei e você, eu odeio dar aulas, eu odeio fazer academia, mas eu tenho a impressão de que até tomar chuva com você deve ser legal. Se eu nunca demonstrei isso de forma mais clara, foi porque tinha medo de você achar que eu estava te manipulando, me aproveitando da sua simplicidade.
Eu estava naqueles momentos da vida que o ar para, eu podia escutar o tema do filme “The good, the bad and the ugly” tocando, só faltava aquele feno passar rolando no final da rua. E de todas reações, ela teve a que eu menos esperava, ela abaixou a cabeça sobre os braços cruzados e começou a chorar, eu não sabia o que fazer, por não saber, sem perceber fiz o mesmo, chorei… Ok, não chorei igual ela, mas algumas lágrimas escorreram dos meus olhos.
Quando ela levantou a cabeça e me olhou, estava com um sorriso espetacular, eu levantei e parei do lado dela, de braços abertos, ela entendeu, levantou e me abraçou. Eu já falei que apesar de todos meu toques e regras, eu adoro sentir pessoas? E foi isso o que eu fiz com a Júlia, ela me abraçou forte, e eu pude passar a mão pelas costas dela, sentir o cheiro do cabelo, sentir a curvatura na cintura, a pressão que ela mesma fazia com o próprio corpo pela força que estava fazendo no abraço.
Não nos beijamos, por mais que eu sentisse vontade... mas queria fazer as coisas com calma, depois de tanto tempo, não precisava de pressa, precisava apenas de calma. Voltamos como dois estranho, lado a lado, sem falar nada, subi até o primeiro andar de escada junto com ela, na porta do elevador eu disse que queria que ela dormisse tranquila, que amanhã eu a buscaria na hora do almoço para conversar melhor, que estava ignorando cada impulso do meu corpo para apenas dizer boa noite e voltar para meu apartamento, mas não queria que ela fizesse nada no calor da emoção.
Ela sorriu, me deu um beijo no rosto e falou no meu ouvido: “Seu convencido, em momento alguem eu disse que também gostava de você, foi você que disse que gostava de mim, mas fica tranquilo, eu gosto muito de você também…”
Quando ela começou a frase meu corpo gelou, mas no final eu gostava ainda mais dela, pois ela conseguia mexer comigo, me sentir inseguro em situações que eu não tinha costume de hesitar.
Naquela noite eu dormi tranquilo, como não fazia desde muito tempo, mais uma noite sem sonhos.

domingo, 24 de agosto de 2014

Chapter XII - Connections

Acordei 5 min antes do despertador, desliguei antes que tocasse, assim não teria o risco da Dayanni acordar, já não queria que ela tivesse dormido aqui em casa, agora só pensava em como tirar ela do apartamento antes que a dona Maria chegasse, seria mais uma dor de cabeça em plena segunda-feira antes de tomar o café da manhã.
Não podia negar que a noite tinha sido boa, ela tinha o vigor da juventude e um corpo digno de se parar para observar. Ela estava deitada de bruços, nua, com o lençol branco cobrindo apenas até a linha da cintura enquanto um pequeno feixe de luz que entrava pela janela iluminava os cabelos dando um tom ainda mais vivo no vermelho fogo.
Eu poderia amá-la, certamente ela não faria perguntas sobre minha vida, não cobraria mais do que eu poderia dar, só teria que dar atenção e presentes de vez em quando, o pouco que eu tinha já era muito mais do que ela jamais pensou em ter, e esse medo de perder a oportunidade talvez já fosse o suficiente para ela.
No entanto não era tão simples assim, eu era incapaz de tolerar alguém por muito tempo sem fazer conexões, e o pior é que já fazia muito tempo que eu não fazia uma nova conexão, o que era o principal motivo de eu estar sozinho.
Eu me lembro quando minha irmã me disse que estava grávida, eu tinha saído do trabalho e estava em um bar com amigos da faculdade, a bateria do celular tinha acabado, cheguei em casa quase duas hora da madrugada, logo que pluguei o carregador comecei a receber mensagens: “Preciso falar com você”, “Me liga quando puder, rápido”, “É importantíssimo que eu fale com você hoje, me liga”... E eu vi que tinha mais 3 mensagens do marido dela, com conteúdo semelhantes, lembro como se fosse hoje, minha cabeça explodiu, pensei em todas desgraças possíveis, sabia que os dois estavam bem, mas imaginei que algo ruim poderia ter acontecido com meus pais, milhares de cenários passaram pela minha cabeça, nenhum deles agradável.
Liguei para ela, ainda estava acordada, no desespero já fui logo perguntando o que havia acontecido.
- Calma Bruno, não foi nada de ruim, tudo bem com você?
- Lê, não me enrola, como estão meus pais?  O que aconteceu?
- Calma Bruno, eu só estava ansiosa para falar com você, você vai ser tio, finalmente estou grávida!
Ela já estava tentando engravidar a quase um ano, todas primas já tinham engravidado, menos ela, eu lembro da expressão dela todas as vezes que via alguém com uma criança nos braços. Eu, por outro lado, sempre quis ser pai, e a ideia de um sobrinho ou sobrinha me empolgava muito, sendo ela minha única irmã, seria como uma parte de mim, quase um filho.
Então a barriga começou a crescer, ela sempre muito empolgada, conversava com a criança desde as primeiras semanas, todo mundo da família ficou bobo, menos eu. Eu não sentia aquilo como um ser vivo, como um momento mágico como eu sempre imaginei, não conseguia sentir a emoção de uma criança nova, não conseguia conversar com a criança na barriga.
Minha irmã cobrava, pois falava que ela já tinha que acostumar com a minha voz, é claro que eu passava a mão na barriga, conversava com a criança, comprava presentes, mas fazia pois sabia que isso era o esperado de mim, morria de medo de minha irmã achar que eu não me importava com a criança, já havia prometido para mim mesmo que iria fingir para o resto da vida se fosse preciso, todos teriam que acreditar que eu era louco pela criança, ainda que fosse apenas uma encenação da minha parte.
A verdade é que eu ficava cada vez mais desesperado, os meses se passavam e eu não sentia aquela criança como parte da minha família que eu tanto amava, pois eu acreditava que se realmente fosse, eu também a amaria, pois tinha um sentimento muito grande por toda minha família. Eu sei que tinha problemas em fazer novas conexões com pessoas novas, mas jamais imaginei que isso se aplicaria aos filhos da minha irmã, eu estava disposto a descer no inferno por ela se fosse preciso.
Então certo dia meu celular tocou, era meu cunhado, dizendo que minha irmã estava dando entrada no hospital para a criança nascer, havia chegado a hora. Eu não pensei duas vezes, saí do trabalho, peguei o carro e fui para a cidade da minha irmã, era minha obrigação fazer parte desse momento, me importando ou não.
O trânsito estava pesado, uma sexta-feira, todos voltando para a casa, muitas pessoas só ficam na capital durante a semana e na sexta voltam para suas casas. Foram umas das piores 3 horas da minha vida, eu pensei em chorar, não queria que a criança recém nascida recebesse a mesma indiferença que eu aplicava à todos, não queria tratá-la como eu tratava o Glauber por exemplo, alguém que eu queria ajudar pois acreditava que merecia, mas mesmo sabendo das dificuldades da vida dele não me importava o suficiente para o proteger do próprio pai.
Quando cheguei na maternidade meus pais e meu cunhado estavam no quarto junto com minha irmã, a bebê estava na maternidade e poderia chegar no quarto a qualquer momento para ser amamentada pela primeira vez. Depois da sessão de beijos, abraços e parabéns, sentei e aguardei para conhecer minha sobrinha, todos estavam em um estado de excitação que nunca tinha visto antes, extremamente felizes e comovidos com o nascimento da criança, naquele momento muita coisa tinha mudado, duas pessoas comuns tinham se tornado em pais, dois pais haviam se tornado avós, e por tabela eu tinha me tornado tio.
Para meu desespero a porta se abre, a enfermeira entra com a criança nos braços, um pacotinho minúsculo, não mais do que 50 cm de comprimento, eu nunca vou esquecer aquela cena, a primeira vez que coloquei os olhos naquela criança meu coração explodiu, meus olhos se encheram de lágrimas, e numa fração de segundos todas as prioridades da minha vida foram revistas, se alguém ainda tem alguma dúvida se existe amor à primeira vista, acreditem em mim, ele realmente existe.
Naquele instante eu fiz um conexão tão profunda com a criança que estava disposto a enfrentar o que fosse preciso para protegê-la. Eu fazia de tudo para evitar segurar bebês, se estivesse com menos 6 meses de vida nem que os pais insistissem muito… Eu segurei minha sobrinha com menos de 6 horas de vida, e se fosse possível jamais teria deixando que a tirassem do meu colo.
Eu nunca entendi isso, e por acreditar em Deus, sou eternamente grato a Ele por ter feito isso comigo, não sei se conseguiria encarar minha irmã nos olhos se não amasse sua filha, seria muito ruim ter que encenar por toda uma vida. Em todo caso, aquela foi a última conexão que eu havia feito, o ultimo amor da minha vida, a última pessoa que entrou para o grupo dos que eu realmente me importo.
Antes disso, a última tinha sido uma garota, ela também foi especial, mas por mistérios que eu jamais saberei, nunca tivemos nada. Eu a conheci em um final de ano, apesar de estar namorando, estava longe do meu par, tínhamos decidido que cada um passaria com sua própria família.
Foi tudo meio por acaso, ela era amiga de uma prima, não me chamou a atenção no começo, até porque se era amiga da minha prima deveria ser muito nova. Mas entre frases e outras, ela comentou que gostava de animê, aqueles desenhos animados japoneses, algo que no meu círculo social é raro, ainda mais raro entre mulheres.
Ela era carioca, quando a conheci tinha 19 anos, cabelos castanhos, olhos da mesma cor, a pele era bem clara, do tipo que fica vermelha e não morena quando toma sol. Nos tornamos grandes amigos, mas as coisas nunca deram certo, sempre estive presente quando percebi que era preciso, mas nunca nos encontramos na mesma página, e isso talvez seja um dos meus grandes arrependimentos.
Talvez eu não soubesse que nunca mais iria me apaixonar, e por isso não agi de forma mais agressiva, não me impus mais do que devia. Mas ela era mais jovem que eu quase uma copa, e eu não queria colocar pressão sobre alguém que deveria estar amadurecendo com a vida, e não comigo cobrando responsabilidades que ela ainda não tinha. No fundo ela ainda era uma menina, e como já disse, o que eu gosto mesmo é de mulher.
Mas a carioca cresceu, aprendeu com vida, teve suas decepções amorosas pelo caminho, eu soube de todas, pelos menos soube de todas que ela me contou. E quando menos esperava, vi que ela já não era mais uma menina, e sim uma mulher, uma mulher que eu queria do meu lado, e muito.
Tive diversas fases com ela, a primeira foi a fase do medo de acontecer algo, ela era mais jovem, eu ainda namorava, e eu não faço coisas que possam machucar os outros, pelo menos não de forma consciente. Depois teve uma fase que eu tinha medo que ela se apaixonasse e eu não tivesse uma desculpa boa o suficiente para mantê-la longe de mim. Por fim teve a fase que o único medo que eu tinha é se nunca acontecesse nada entre nós dois, nos falávamos constantemente, fazíamos planos, mas ela sempre tinha um imprevisto e não dava certo.
A carioca é minha amiga até hoje, passamos por diversas fases juntos, mas chegou um momento que eu segui em frente. Do nosso tempo, ela teve diversos namorados, alguns outros affairs, e eu sempre me mantive só, não a culpo por isso, tive minha oportunidades, apenas nunca me contentei em fazer as coisas pela metade, eu não queria apenas um final de semana com ela, não me sentiria satisfeito com uma noite, eu queria tudo, e tudo era algo que nunca tivemos a oportunidade de tentar.
Certo dia ela conheceu um cara mais velho, e nunca saberei explicar o motivo, mas eu sabia que seria diferente. Ela ainda falava que pensava em mim, que queria saber como seria se algo um dia acontecesse entre nós dois, mas ainda assim continuava com o outro cara. Eu tentei fazer algo, aproveitando que já ia viajar para o aniversário de um afilhado meu, parei na cidade dela, combinei de encontrar, ela nunca apareceu, 6 meses depois anunciou o noivado, com mais 6 meses veio o casamento, eu fui padrinho.
Durante toda a cerimônia eu fiz questão de não fazer contato visual, não a olhei nos olhos por nenhum momento. Na hora de ir embora fui me despedir, ela estava deslumbrante, foi a primeira vez que olhei nos olhos dela naquela noite, e naquele instante eu senti um certo misto entre medo e arrependimento no olhar, ela estava feliz com o casamento, ela amava o cara que tinha escolhido como marido, mas me ver ali na frente dela, vestida de noiva, fez com que seu coração acelerasse e surgisse uma dúvida sobre a escolha.
No momento eu não senti nada, como se um fio fosse cortado, sem dor alguma, eu realmente não senti nada, e ela se tornou mais uma pessoa que caminha pelo mundo. Ainda tenho até hoje um grande carinho por ela, mantemos contato, somos grandes amigos, mas não tenho desejo algum de ser nada além de amigos.
E nem mesmo amizade eu acreditava que poderia manter com a Dayanni, ela era rasa de mais, não tinha muita cultura, não gostava de estudar, não tinha costume de ler, de ver filmes, só queria saber de diversão, preferencialmente que envolvessem álcool e sexo. Um relacionamento duraria menos de uma semana, mas naquele momento eu tinha menos do que isso, eu tinha 30 min para acabar tudo.
Ela começou a se movimentar, abriu olhos e levantou o corpo me procurando pelo quarto, eu estava em pé ao lado da cama, encostado no gaveteiro de roupas.
- Bom dia! Atrasado ou com tempo sobrando?
- Bom dia, infelizmente atrasado, e não quero ser indelicado, mas a empregada chega em menos de 30 min…
- Tem certeza que não tem tempo?
E nesse momento ela se levantou, sem se cobrir, e caminhou na minha direção e me abraçou. Eu confesso que era uma proposta tentadora, não conheço ninguém que resistiria, mas eu não era como os outros, o prazer físico não passa de uma combinação química que corre pelo meu corpo.
- Infelizmente não… mas você não mora tão longe assim, não precisamos ter pressa de fazer tudo de uma vez…
Ela fez uma careta de que não havia gostado, me beijo e tentou me convencer, mas eu só pensava nos minutos que se passavam.
E eis que o universo que nem sempre conspira ao meu favor, resolver me ajudar, meu celular toca, minha irmã. Ela só queria avisar que eu tinha esquecido uma jaqueta na casa dela, que ela iria guardar, o tipo de ligação que não fazia o menor sentido, afinal de contas ela sabe que eu não me preocupo com essas coisas, e também sabe que eu não iria buscar de imediato a roupa. Mas foi o cenário ideal que eu precisava.
- Minha querida, aconteceu um imprevisto, pelo visto tentaram invadir meu escritório, preciso ir para lá agora, a polícia está me esperando, você tem 5 min para se vestir e descer comigo pelo elevador.
Ela não gostou, mas atendeu meu pedido, se vestiu rapidamente e saímos juntos pela porta, apertei o botão do térreo e da garagem do elevador, quando paramos no térreo ela me beijou e saiu, pedindo que eu ligasse quando chegasse em casa de noite.
Quando o elevador chegou no subsolo eu nem me dei ao trabalho de sair, simplesmente apertei meu andar novamente, quando passávamos pelo primeiro andar o elevador parou e a dona Maria entrou, já perguntando o que eu fazia ali, eu respondi que dei falta de uma jaqueta minha e havia descido para verificar se estava no carro, ela aparentemente acreditou e não fez mais perguntas.
Chegamos no meu andar e tudo continuou normal, fui para a academia, voltei e tomei meu banho, quando saí o café estava pronto, tudo havia ocorrido bem, o acaso parecia ter voltado a jogar do meu lado.
Porém quando estava me despedindo da dona Maria antes de ir para o trabalho ela me interrompeu.
- Bruno, por quê tem um travesseiro na sua cama? Você não dorme sem? Alguém dormiu aqui hoje?
- Não, eu estava lendo antes de dormir, ele acabou ficando na cama.
- Ah bom, por um momento pensei que você tinha dado outro tipo de aula para a Júlia…
- Eu acho mais fácil ela me dar uma aula no lugar de receber uma…
Nós dois rimos, minha felicidade é que estava de costas, e no momento da pergunta eu joguei um biscoito que estava na mesa do café na boca para ter tempo de pensar enquanto mastigava, a dona Maria é muito esperta, mas sem olhar para mim duvido que tenha desconfiado de algo, só espero que não tenham fios de cabelo vermelho na minha cama, para isso eu não teria desculpas.
Saí para o trabalho e dei sequência nas minhas demais rotinas diárias, o Glauber parecia normal, pelo visto o pai do garoto não havia aprontado mais nada, mas eu ainda estava preocupado com os possíveis problemas que ele poderia me trazer, não que fosse minha maior preocupação no momento, os desdobramentos da minha noite com a vizinha e com a Júlia ainda me preocupavam mais.
Falando em Júlia, ela não estava na academia, tudo bem que eu fui mais tarde, mas não tarde o suficiente para não encontrar com ela, em parte foi bom pois não tive de olhar para ela com os olhares da vergonha de quem tinha acabado de dormir com uma outra mulher que mal conhecia, mas ainda assim era estranho ela não ter aparecido. Se algo aconteceu, tenho certeza que a dona Maria vai me colocar em dia com o assunto, ela já faz isso sem eu pedir de qualquer forma, só espero que tudo esteja bem.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Chapter XI - Homecoming

Nada como estar em casa! Cheguei de noite cansado da viagem, mas mesmo assim não fui dormir, isso nunca acontece quando eu vou para casa dos meu pais...
    Toda família tem seus costumes, e na minha não é diferente. Meus pais se casaram cedo, meu pai tinha 21 e minha mae era dois anos mais nova, e mesmo sendo novos, decidiram tentar a vida longe de seus familiares. Eles moravam no interior do Rio de Janeiro e vieram morar no interior de São Paulo assim que casaram, quase 600 km de distante de todos seus conhecidos.
    Até hoje eu não sei o motivo deles terem feito isso, tudo que sei é que todas as férias nós íamos para o Rio de Janeiro visitar a família, e essa era uma rotina cansativa, mas impossível de se evitar. Logo cedo eu também saí de casa, aos meus 17 anos fui para a faculdade, quase do outro lado do estado, quando minha mãe perguntou se era mesmo necessário, eu respondi que havia aprendido com os melhores, e assim como um dia eles tinham saído de casa, eu também tinha que sair. E assim como meus pais, todas as oportunidades que eu tenho eu volto para casa para visitá-los.
    Minha irmã preferiu não sair de casa, casou cedo e teve uma filha não muito tempo depois, mora 5 minutos de distância dos meus pais, eles se vêm quase todos os dias, então quando eu coloco meus pés em casa, normalmente ela já está a minha espera com o marido e filha.
    Por isso que disse que eu nunca durmo quando chego em casa, pois primeiro tenho que contar todas as novidades, depois ouvir todas as novidades, fico sabendo das fofocas da vizinhança, das pérolas protagonizadas pela minha mãe, das peripécias da minha linda sobrinha e outras coisas mais.
    Depois de muita conversa e muita risada, minha irmã foi embora e eu fui dormir. Meus pais moraram quase a vida inteira em casa térrea, no entanto quando ficaram um pouco mais velhos resolveram comprar um apartamento por questões de segurança, um belo apartamento por sinal, por isso quando eu vou visitá-los eu ainda consigo ficar na cobertura, com direito a piscina no quarto e vista para a serra, realmente relaxante.
    Acordei perto das 9h no sábado, minha mãe estava terminando de preparar o café da manhã, minha irmã já estava novamente em casa ajudando na cozinha, enquanto meu pai e cunhando assistiam desenho na televisão junto com minha sobrinha.
    Eu tinha notado olhares trocados entre minha mãe e irmã no dia anterior, mas não me importei, segredo é algo que não existe nesta família, todo mundo é muito fofoqueiro e as notícias vazam rapidamente, sabia que não precisaria apertar nenhuma das duas, pois logo a informação chegaria aos meus ouvidos. A refeição matinal acabou e ninguém comentou nada, achei melhor ignorar a questão, ainda que achasse que haviam olhares sendo trocados, pensei que pudesse ser imaginação minha, apesar de saber ler muito bem minha família, não seria a primeira vez que eu estaria enganado.
    Aproveitei a oportunidade para conversar bastante com meu pai, ele é comerciante e está sempre trocando idéias sobre quais os passos a tomar e compartilhando suas vontades. Ele sem dúvida é uma das pessoas mais competentes que já conheci, e olha que tive a oportunidade de trabalhar com pessoas estudadas e que vieram de diversos cantos do mundo, eu nem saberia explicar como ele conseguiu fazer tudo o que fez, só sei que ele não tinha instrução o suficiente, não tinha estrutura, apoio ou dinheiro, mas do nada ele levantou um grande comércio, hoje conta com mais de cinquenta funcionários espalhados por quatro lojas em duas cidades. Apesar de não saber como ele fez tudo isso, talvez esse tenha sido o maior segredo do meu sucesso profissional até o momento, ele me fez acreditar que eu podia fazer o que quisesse, pois ele tinha conseguido, e eu, sendo filho, era dotado das mesma capacidades. Ele nunca me disse essas palavras, e provavelmente nem fazem sentido, mas o que importa é que eu sempre acreditei e as coisas funcionaram para mim.
    Na hora do almoço, enquanto todos estavam comendo, mesmo de cabeça baixa eu pude perceber minha irmã olhando para a minha mãe novamente, então apenas levantei a voz e falei: “Eu posso esperara vocês decidirem falar o que quer que queiram falar, mas estou começando a ficar sem paciência e vocês sabem que eu posso ser muito bom em arrancar informações de vocês se eu quiser”. Nesse momento meu pai só colocou um sorriso no rosto e continuou comendo.
    Minha mãe, como sempre, foi quem começou falando.
    “Sabe Bruno, você é um homem inteligente, bem sucedido, que se veste bem, é educado... então eu estava conversando com sua irmã e decidimos que vamos arrumar uma namorada para você”.
    Era só o que me faltava, de tempos em tempos elas retomam esse assunto, e eu sempre me estressava, mas no fim acalmava os ânimos antes de explodir, afinal de contas não fazia sentido compartilhar pensamentos que só trariam mais preocupação.
    “Isso Bruno, - completou minha irmã - vai ter uma festa semana que vem, tipo um baile, e já estou espalhando entre algumas conhecidas que você vai estar aqui, e você sabe que todas são curiosas para te conhecer por conta das histórias que eu e minha mãe contamos sobre você”.
    Alcoviteiras, isso sim! Por costume as chamava de mãe e irmã, mas eram na verdade alcoviteiras e amigas da onça. Eu tentei puxar o discurso padrão, de que não era tão simples assim, que relacionamento não era um checklist que você marcava as características das pessoas e encontrava o amor por uma fórmula, era muito mais complexo que isso.
    Claro que eu também já sabia o discurso que seria adotado por elas. Primeiro começariam dizendo que eu era muito fechado, que eu não dava oportunidade, depois iriam falar que sendo eu tão inteligente, tendo lido tantos livros, não é possível que não tenha aprendido nada sobre as pessoas, e como só é possível entrar em um relacionamento conhecendo novas pessoas e se arriscando, e por ai vinham outros discursos decorados.
    A tarde chegou, acabou o almoço mas o assunto não, ainda estavam falando pelos cotovelos, nesse momento minha irmã já estava com um tablet na mão mostrando fotos de amigas no facebook. Algumas eram bonitas, outras nem tanto, mas todas com seu certo encanto, ainda que nenhum parecesse me afetar.
    Vez ou outra se escutava a voz do meu pai, hora para me defender e hora para me atacar, mas sempre para fazer todos rirem, todos seus comentários eram cômicos, nem eu conseguia manter a seriedade nesses momentos.
    Existem certos momentos que você pensa se deve se abrir totalmente e deixar cada um se virar sozinho, ou continuar tomando as porradas que as pessoas te dão e apenas respirando fundo. Eu costumo seguir a segunda opção, sempre falava para uma amiga minha que eu era feito de um material mais resistente do que os outros, então não me importava de apanhar, pois pelo menos eu sabia que aguentava, o mesmo não poderia garantir para todos.
    Mas hoje seria diferente, hoje eu resolvi falar um pouco como eu me sentia, sobre o que se passava na minha cabeça e a forma como era minha vida.
    “Mãe, eu agradeço sua preocupação, sério mesmo, de todo meu coração, afinal de contas que tipo de mãe você seria se não se preocupasse comigo? No entanto existem coisas a meu respeito que talvez nenhum de vocês tenham idéia, seja porque vocês não reparam em nada ou seja porque eu sou muito bom em esconder. Eu sou diferente, e antes que pensem que eu tenho opções sexuais diferentes, quero deixar bem claro que eu gosto mesmo é de mulher, muito por sinal...”
    “Acontece que nem tudo deu certo para mim como vocês pensam, o Fábio - marido da minha irmã - uma vez me perguntou se eu não chorava, queria saber como eu aguentava a pressão as vezes, eu disse que tinha um alto limiar de dor, mas era mais do que isso, eu praticamente já tinha esquecido da dor, de tão presente que ela está em mim, e portanto isso deixou de ser uma desvantagem e passei a usar a meu favor. Eu não consigo me conectar com pessoas porque elas não me compreendem, elas não sentem a vergonha que eu sinto quando eu vejo uma pessoa pedindo esmola na rua, ou quando eu vejo uma pessoa sem uma perna e eu reclamo que estou cansado de ficar de pé, as pessoas acham isso bobagem, e acabam esquecendo desses detalhes, mas comigo é diferente, eu tenho um cérebro que não me deixa esquecer que eu sou, como sou, como os outros são, e constantemente me lembra o quão pouco eu faço com tudo que tenho.”
    “E mesmo quando eu consigo disfarçar tudo, para tentar viver neste mesmo mundo que todo mundo vive parecendo não me importar, não enxergar as verdadeiras dificuldades que o mundo oferece, eventualmente eu encontro uma mulher, que me atrai, que me faz sentir o desejo de estar com ela, e eu arrisco me envolver. Mas eu gosto de jogar xadrez, e gosto de exergar tantos movimentos quanto possível na frente do oponente, e, associado com minha habilidade de programar e encontrar padrões lógicos em rotinas e comportamentos, em pouco tempo eu consigo enxergar essa mesma pessoa que hora era interessante, como alguém previsível, e portanto não mais interessante. Essa mesma mulher, no entanto, me vê como um cara que a compreende, que sempre está prevendo seus passos e facilitando sua vida, e acha que encontrou o cara da vida dela.”
    “Eu, por outro lado, já estou carregando um fardo, estou jogando um jogo que já terminei e não me trás mais desafios, uma partida em que o adversário já não tem mais condições de me surpreender. Nesse momento as coisas acabam, eu sou frio, pois é isso que sinto no momento, a garota não entende, fala tudo que pode de ruim ao me respeito e, por fim, passa a me odiar.”
    “Nesse momento, quem se odeia já sou eu, afinal de contas, que tipo de homem se acha prepotente o suficiente para pensar como eu penso? Que tipo de criatura trata outras pessoas que estão envolvidas sentimentalmente como se fosse um jogo? Eu não sei, porque não conheço nenhuma outra, só sei que repudio todas elas, ainda que nessas situações eu seja a própria criatura. E isso ninguém entende, por isso, ao longo do tempo, eu passei a tomar cuidados para que ninguém percebesse, afinal de contas, não faz sentido se comunicar com alguém em um idioma que a pessoa não entende.”
    “E eu já passei por este ciclos mais de uma dezena de vezes, talvez mais de duas dezenas, e o desfecho final sempre é o mesmo. Hoje já não sinto, também não me importo, pelo menos não comigo, e não fosse pelo tanto que me importo com os outros, seria a perfeita definição de um sociopata, mas não se preocupem, já fui ao médico e fiz os testes necessário para garantir que esse não é meu caso.”
    “Se vocês tivessem a menor idéia da sensação que é participar sem o sentimento de pertencer, saberiam o quão desesperador é estar cercado a todo momento, observar as interações, entender perfeitamente como elas funcionam, e exatamente pelo fato de entender, temer que possivelmente você jamais se conectará da mesma forma que os demais.”
    “Mas não se preocupem comigo, os primeiros anos foram os mais difíceis, mas até mesmo uma guerra, depois de mais de 10 anos batalhando, se torna uma rotina amarga que você já aceita como parte da sua vida.”
    Eu queria que eles entendessem como eu me sinto, mas jamais conseguiria colocar em palavras o sentimento de não pertencer, não participar, não se conectar, quase como se fosse uma casca vazia, oca por dentro.
    Minha mãe estava chorando, meu pai com os olhos vermelhos, minha irmã me pedia desculpas, o marido dela dormia e minha linda sobrinha estava distraída servindo chá para suas bonecas.
    Eu já me arrependia de cada palavra pronunciada, um clima de velório pairava sobre a casa, definitivamente não estávamos em um clima de páscoa, e nenhuma palavra que eu pronunciasse seria capaz de reverter isso.
    O pior de tudo, é que ao alongo do dia agora eu reparava na troca de olhares entre meus pais, meu pai com olhar vago e minha mãe se lamentando com ele, como se a minha situação fosse culpa deles, algo que ela teria feito de errado, algum ensinamento não repassado, um abraço a menos que foi dado enquanto eu era criança. Eu tentei explicar para os dois que aquilo não me incomodava, eles tinham tido um filho forte, que estava acostumado com a vida e com os fardos que carregava.
    O que mais me incomodava era o meu egoísmo, eu sabia que tinha falado tudo isso só para calar a boca deles sobre as conversas sobre namoradas, eu tinha sido egoísta, coloquei minha vontade na frende da deles, e por isso agora eu ainda estava com os mesmos problemas, e todos eles com um problema mais, e não há nada que me irrite mais do que machucar minha família, o maior problema era que neste momento o culpado e portanto foco da raiva, era eu mesmo.
    Uma pessoa enraivessida pode fazer besteiras, se for consigo mesma então pode ser mais perigoso ainda, visto que as vezes a sensação de que você será o único faz com que você exagere um pouco, pois acha que ninguém mais será afetado pelas suas ações. No entanto eu não sou trouxa a ponto de fazer uma grande besteira, jamais agrediria meu corpo ou colocaria minha vida em risco, eu amo a vida, e jamais abrirei mão dela.
    Em momentos que eu me sentia assim, por vezes perdia a consciência, e isso significava que eu não me importaria com o que iria fazer, agiria com o menor pingo de remorso e certamente me arrependeria depois. No domingo, ainda com clima de velório na casa dos meus pais, me despedi e voltei para minha cidade.
Quando entrei no apartamento vi o tal cara que havia convidado a Júlia para sair deixando ela no portão, ela entrou correndo e chorando. Assim que entrei no meu apartamento eu peguei meu celular e pensei em ligar para a Júlia para saber o que havia acontecido, eu sabia o bem que poderia fazer para ela, eu era muito bom em confortar pessoas em situações assim, ainda que eu não tivesse a menor idéia do que estava acontecendo.
Pensei por cerca de dez minutos, finalmente resolvi fazer uma ligação, dez minutos depois minha campainha toca.
“Pensei que você não viria”
“Nossa, bonito apartamento, do outro lado ele não parece tão grande assim”
Ela estava com um short jeans curto com as pontas desfiadas, uma blusa branca colada no corpo que realçava o formato dos seis, mas o que mais me chamava a atenção eram os cabelos vermelhos. A vizinha que da sacada parecia uma menina, tinha um corpo de mulher, e não teria aceitado o convite pelo telefone se realmente não fosse.
Eu sabia que iria me arrepender do que estava fazendo, mas verdade é que naquele dia eu precisava relaxar, a Júlia só me traria mais dores de cabeça no momento, meu sub-consciente tentava me convencer que ela também tinha acabado de ter uma noitada com o cara do trabalho. E eu estava prestes a ter a minha.