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segunda-feira, 1 de julho de 2013

Chapter XI - Homecoming

Nada como estar em casa! Cheguei de noite cansado da viagem, mas mesmo assim não fui dormir, isso nunca acontece quando eu vou para casa dos meu pais...
    Toda família tem seus costumes, e na minha não é diferente. Meus pais se casaram cedo, meu pai tinha 21 e minha mae era dois anos mais nova, e mesmo sendo novos, decidiram tentar a vida longe de seus familiares. Eles moravam no interior do Rio de Janeiro e vieram morar no interior de São Paulo assim que casaram, quase 600 km de distante de todos seus conhecidos.
    Até hoje eu não sei o motivo deles terem feito isso, tudo que sei é que todas as férias nós íamos para o Rio de Janeiro visitar a família, e essa era uma rotina cansativa, mas impossível de se evitar. Logo cedo eu também saí de casa, aos meus 17 anos fui para a faculdade, quase do outro lado do estado, quando minha mãe perguntou se era mesmo necessário, eu respondi que havia aprendido com os melhores, e assim como um dia eles tinham saído de casa, eu também tinha que sair. E assim como meus pais, todas as oportunidades que eu tenho eu volto para casa para visitá-los.
    Minha irmã preferiu não sair de casa, casou cedo e teve uma filha não muito tempo depois, mora 5 minutos de distância dos meus pais, eles se vêm quase todos os dias, então quando eu coloco meus pés em casa, normalmente ela já está a minha espera com o marido e filha.
    Por isso que disse que eu nunca durmo quando chego em casa, pois primeiro tenho que contar todas as novidades, depois ouvir todas as novidades, fico sabendo das fofocas da vizinhança, das pérolas protagonizadas pela minha mãe, das peripécias da minha linda sobrinha e outras coisas mais.
    Depois de muita conversa e muita risada, minha irmã foi embora e eu fui dormir. Meus pais moraram quase a vida inteira em casa térrea, no entanto quando ficaram um pouco mais velhos resolveram comprar um apartamento por questões de segurança, um belo apartamento por sinal, por isso quando eu vou visitá-los eu ainda consigo ficar na cobertura, com direito a piscina no quarto e vista para a serra, realmente relaxante.
    Acordei perto das 9h no sábado, minha mãe estava terminando de preparar o café da manhã, minha irmã já estava novamente em casa ajudando na cozinha, enquanto meu pai e cunhando assistiam desenho na televisão junto com minha sobrinha.
    Eu tinha notado olhares trocados entre minha mãe e irmã no dia anterior, mas não me importei, segredo é algo que não existe nesta família, todo mundo é muito fofoqueiro e as notícias vazam rapidamente, sabia que não precisaria apertar nenhuma das duas, pois logo a informação chegaria aos meus ouvidos. A refeição matinal acabou e ninguém comentou nada, achei melhor ignorar a questão, ainda que achasse que haviam olhares sendo trocados, pensei que pudesse ser imaginação minha, apesar de saber ler muito bem minha família, não seria a primeira vez que eu estaria enganado.
    Aproveitei a oportunidade para conversar bastante com meu pai, ele é comerciante e está sempre trocando idéias sobre quais os passos a tomar e compartilhando suas vontades. Ele sem dúvida é uma das pessoas mais competentes que já conheci, e olha que tive a oportunidade de trabalhar com pessoas estudadas e que vieram de diversos cantos do mundo, eu nem saberia explicar como ele conseguiu fazer tudo o que fez, só sei que ele não tinha instrução o suficiente, não tinha estrutura, apoio ou dinheiro, mas do nada ele levantou um grande comércio, hoje conta com mais de cinquenta funcionários espalhados por quatro lojas em duas cidades. Apesar de não saber como ele fez tudo isso, talvez esse tenha sido o maior segredo do meu sucesso profissional até o momento, ele me fez acreditar que eu podia fazer o que quisesse, pois ele tinha conseguido, e eu, sendo filho, era dotado das mesma capacidades. Ele nunca me disse essas palavras, e provavelmente nem fazem sentido, mas o que importa é que eu sempre acreditei e as coisas funcionaram para mim.
    Na hora do almoço, enquanto todos estavam comendo, mesmo de cabeça baixa eu pude perceber minha irmã olhando para a minha mãe novamente, então apenas levantei a voz e falei: “Eu posso esperara vocês decidirem falar o que quer que queiram falar, mas estou começando a ficar sem paciência e vocês sabem que eu posso ser muito bom em arrancar informações de vocês se eu quiser”. Nesse momento meu pai só colocou um sorriso no rosto e continuou comendo.
    Minha mãe, como sempre, foi quem começou falando.
    “Sabe Bruno, você é um homem inteligente, bem sucedido, que se veste bem, é educado... então eu estava conversando com sua irmã e decidimos que vamos arrumar uma namorada para você”.
    Era só o que me faltava, de tempos em tempos elas retomam esse assunto, e eu sempre me estressava, mas no fim acalmava os ânimos antes de explodir, afinal de contas não fazia sentido compartilhar pensamentos que só trariam mais preocupação.
    “Isso Bruno, - completou minha irmã - vai ter uma festa semana que vem, tipo um baile, e já estou espalhando entre algumas conhecidas que você vai estar aqui, e você sabe que todas são curiosas para te conhecer por conta das histórias que eu e minha mãe contamos sobre você”.
    Alcoviteiras, isso sim! Por costume as chamava de mãe e irmã, mas eram na verdade alcoviteiras e amigas da onça. Eu tentei puxar o discurso padrão, de que não era tão simples assim, que relacionamento não era um checklist que você marcava as características das pessoas e encontrava o amor por uma fórmula, era muito mais complexo que isso.
    Claro que eu também já sabia o discurso que seria adotado por elas. Primeiro começariam dizendo que eu era muito fechado, que eu não dava oportunidade, depois iriam falar que sendo eu tão inteligente, tendo lido tantos livros, não é possível que não tenha aprendido nada sobre as pessoas, e como só é possível entrar em um relacionamento conhecendo novas pessoas e se arriscando, e por ai vinham outros discursos decorados.
    A tarde chegou, acabou o almoço mas o assunto não, ainda estavam falando pelos cotovelos, nesse momento minha irmã já estava com um tablet na mão mostrando fotos de amigas no facebook. Algumas eram bonitas, outras nem tanto, mas todas com seu certo encanto, ainda que nenhum parecesse me afetar.
    Vez ou outra se escutava a voz do meu pai, hora para me defender e hora para me atacar, mas sempre para fazer todos rirem, todos seus comentários eram cômicos, nem eu conseguia manter a seriedade nesses momentos.
    Existem certos momentos que você pensa se deve se abrir totalmente e deixar cada um se virar sozinho, ou continuar tomando as porradas que as pessoas te dão e apenas respirando fundo. Eu costumo seguir a segunda opção, sempre falava para uma amiga minha que eu era feito de um material mais resistente do que os outros, então não me importava de apanhar, pois pelo menos eu sabia que aguentava, o mesmo não poderia garantir para todos.
    Mas hoje seria diferente, hoje eu resolvi falar um pouco como eu me sentia, sobre o que se passava na minha cabeça e a forma como era minha vida.
    “Mãe, eu agradeço sua preocupação, sério mesmo, de todo meu coração, afinal de contas que tipo de mãe você seria se não se preocupasse comigo? No entanto existem coisas a meu respeito que talvez nenhum de vocês tenham idéia, seja porque vocês não reparam em nada ou seja porque eu sou muito bom em esconder. Eu sou diferente, e antes que pensem que eu tenho opções sexuais diferentes, quero deixar bem claro que eu gosto mesmo é de mulher, muito por sinal...”
    “Acontece que nem tudo deu certo para mim como vocês pensam, o Fábio - marido da minha irmã - uma vez me perguntou se eu não chorava, queria saber como eu aguentava a pressão as vezes, eu disse que tinha um alto limiar de dor, mas era mais do que isso, eu praticamente já tinha esquecido da dor, de tão presente que ela está em mim, e portanto isso deixou de ser uma desvantagem e passei a usar a meu favor. Eu não consigo me conectar com pessoas porque elas não me compreendem, elas não sentem a vergonha que eu sinto quando eu vejo uma pessoa pedindo esmola na rua, ou quando eu vejo uma pessoa sem uma perna e eu reclamo que estou cansado de ficar de pé, as pessoas acham isso bobagem, e acabam esquecendo desses detalhes, mas comigo é diferente, eu tenho um cérebro que não me deixa esquecer que eu sou, como sou, como os outros são, e constantemente me lembra o quão pouco eu faço com tudo que tenho.”
    “E mesmo quando eu consigo disfarçar tudo, para tentar viver neste mesmo mundo que todo mundo vive parecendo não me importar, não enxergar as verdadeiras dificuldades que o mundo oferece, eventualmente eu encontro uma mulher, que me atrai, que me faz sentir o desejo de estar com ela, e eu arrisco me envolver. Mas eu gosto de jogar xadrez, e gosto de exergar tantos movimentos quanto possível na frente do oponente, e, associado com minha habilidade de programar e encontrar padrões lógicos em rotinas e comportamentos, em pouco tempo eu consigo enxergar essa mesma pessoa que hora era interessante, como alguém previsível, e portanto não mais interessante. Essa mesma mulher, no entanto, me vê como um cara que a compreende, que sempre está prevendo seus passos e facilitando sua vida, e acha que encontrou o cara da vida dela.”
    “Eu, por outro lado, já estou carregando um fardo, estou jogando um jogo que já terminei e não me trás mais desafios, uma partida em que o adversário já não tem mais condições de me surpreender. Nesse momento as coisas acabam, eu sou frio, pois é isso que sinto no momento, a garota não entende, fala tudo que pode de ruim ao me respeito e, por fim, passa a me odiar.”
    “Nesse momento, quem se odeia já sou eu, afinal de contas, que tipo de homem se acha prepotente o suficiente para pensar como eu penso? Que tipo de criatura trata outras pessoas que estão envolvidas sentimentalmente como se fosse um jogo? Eu não sei, porque não conheço nenhuma outra, só sei que repudio todas elas, ainda que nessas situações eu seja a própria criatura. E isso ninguém entende, por isso, ao longo do tempo, eu passei a tomar cuidados para que ninguém percebesse, afinal de contas, não faz sentido se comunicar com alguém em um idioma que a pessoa não entende.”
    “E eu já passei por este ciclos mais de uma dezena de vezes, talvez mais de duas dezenas, e o desfecho final sempre é o mesmo. Hoje já não sinto, também não me importo, pelo menos não comigo, e não fosse pelo tanto que me importo com os outros, seria a perfeita definição de um sociopata, mas não se preocupem, já fui ao médico e fiz os testes necessário para garantir que esse não é meu caso.”
    “Se vocês tivessem a menor idéia da sensação que é participar sem o sentimento de pertencer, saberiam o quão desesperador é estar cercado a todo momento, observar as interações, entender perfeitamente como elas funcionam, e exatamente pelo fato de entender, temer que possivelmente você jamais se conectará da mesma forma que os demais.”
    “Mas não se preocupem comigo, os primeiros anos foram os mais difíceis, mas até mesmo uma guerra, depois de mais de 10 anos batalhando, se torna uma rotina amarga que você já aceita como parte da sua vida.”
    Eu queria que eles entendessem como eu me sinto, mas jamais conseguiria colocar em palavras o sentimento de não pertencer, não participar, não se conectar, quase como se fosse uma casca vazia, oca por dentro.
    Minha mãe estava chorando, meu pai com os olhos vermelhos, minha irmã me pedia desculpas, o marido dela dormia e minha linda sobrinha estava distraída servindo chá para suas bonecas.
    Eu já me arrependia de cada palavra pronunciada, um clima de velório pairava sobre a casa, definitivamente não estávamos em um clima de páscoa, e nenhuma palavra que eu pronunciasse seria capaz de reverter isso.
    O pior de tudo, é que ao alongo do dia agora eu reparava na troca de olhares entre meus pais, meu pai com olhar vago e minha mãe se lamentando com ele, como se a minha situação fosse culpa deles, algo que ela teria feito de errado, algum ensinamento não repassado, um abraço a menos que foi dado enquanto eu era criança. Eu tentei explicar para os dois que aquilo não me incomodava, eles tinham tido um filho forte, que estava acostumado com a vida e com os fardos que carregava.
    O que mais me incomodava era o meu egoísmo, eu sabia que tinha falado tudo isso só para calar a boca deles sobre as conversas sobre namoradas, eu tinha sido egoísta, coloquei minha vontade na frende da deles, e por isso agora eu ainda estava com os mesmos problemas, e todos eles com um problema mais, e não há nada que me irrite mais do que machucar minha família, o maior problema era que neste momento o culpado e portanto foco da raiva, era eu mesmo.
    Uma pessoa enraivessida pode fazer besteiras, se for consigo mesma então pode ser mais perigoso ainda, visto que as vezes a sensação de que você será o único faz com que você exagere um pouco, pois acha que ninguém mais será afetado pelas suas ações. No entanto eu não sou trouxa a ponto de fazer uma grande besteira, jamais agrediria meu corpo ou colocaria minha vida em risco, eu amo a vida, e jamais abrirei mão dela.
    Em momentos que eu me sentia assim, por vezes perdia a consciência, e isso significava que eu não me importaria com o que iria fazer, agiria com o menor pingo de remorso e certamente me arrependeria depois. No domingo, ainda com clima de velório na casa dos meus pais, me despedi e voltei para minha cidade.
Quando entrei no apartamento vi o tal cara que havia convidado a Júlia para sair deixando ela no portão, ela entrou correndo e chorando. Assim que entrei no meu apartamento eu peguei meu celular e pensei em ligar para a Júlia para saber o que havia acontecido, eu sabia o bem que poderia fazer para ela, eu era muito bom em confortar pessoas em situações assim, ainda que eu não tivesse a menor idéia do que estava acontecendo.
Pensei por cerca de dez minutos, finalmente resolvi fazer uma ligação, dez minutos depois minha campainha toca.
“Pensei que você não viria”
“Nossa, bonito apartamento, do outro lado ele não parece tão grande assim”
Ela estava com um short jeans curto com as pontas desfiadas, uma blusa branca colada no corpo que realçava o formato dos seis, mas o que mais me chamava a atenção eram os cabelos vermelhos. A vizinha que da sacada parecia uma menina, tinha um corpo de mulher, e não teria aceitado o convite pelo telefone se realmente não fosse.
Eu sabia que iria me arrepender do que estava fazendo, mas verdade é que naquele dia eu precisava relaxar, a Júlia só me traria mais dores de cabeça no momento, meu sub-consciente tentava me convencer que ela também tinha acabado de ter uma noitada com o cara do trabalho. E eu estava prestes a ter a minha.