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segunda-feira, 1 de julho de 2013

Chapter XI - Homecoming

Nada como estar em casa! Cheguei de noite cansado da viagem, mas mesmo assim não fui dormir, isso nunca acontece quando eu vou para casa dos meu pais...
    Toda família tem seus costumes, e na minha não é diferente. Meus pais se casaram cedo, meu pai tinha 21 e minha mae era dois anos mais nova, e mesmo sendo novos, decidiram tentar a vida longe de seus familiares. Eles moravam no interior do Rio de Janeiro e vieram morar no interior de São Paulo assim que casaram, quase 600 km de distante de todos seus conhecidos.
    Até hoje eu não sei o motivo deles terem feito isso, tudo que sei é que todas as férias nós íamos para o Rio de Janeiro visitar a família, e essa era uma rotina cansativa, mas impossível de se evitar. Logo cedo eu também saí de casa, aos meus 17 anos fui para a faculdade, quase do outro lado do estado, quando minha mãe perguntou se era mesmo necessário, eu respondi que havia aprendido com os melhores, e assim como um dia eles tinham saído de casa, eu também tinha que sair. E assim como meus pais, todas as oportunidades que eu tenho eu volto para casa para visitá-los.
    Minha irmã preferiu não sair de casa, casou cedo e teve uma filha não muito tempo depois, mora 5 minutos de distância dos meus pais, eles se vêm quase todos os dias, então quando eu coloco meus pés em casa, normalmente ela já está a minha espera com o marido e filha.
    Por isso que disse que eu nunca durmo quando chego em casa, pois primeiro tenho que contar todas as novidades, depois ouvir todas as novidades, fico sabendo das fofocas da vizinhança, das pérolas protagonizadas pela minha mãe, das peripécias da minha linda sobrinha e outras coisas mais.
    Depois de muita conversa e muita risada, minha irmã foi embora e eu fui dormir. Meus pais moraram quase a vida inteira em casa térrea, no entanto quando ficaram um pouco mais velhos resolveram comprar um apartamento por questões de segurança, um belo apartamento por sinal, por isso quando eu vou visitá-los eu ainda consigo ficar na cobertura, com direito a piscina no quarto e vista para a serra, realmente relaxante.
    Acordei perto das 9h no sábado, minha mãe estava terminando de preparar o café da manhã, minha irmã já estava novamente em casa ajudando na cozinha, enquanto meu pai e cunhando assistiam desenho na televisão junto com minha sobrinha.
    Eu tinha notado olhares trocados entre minha mãe e irmã no dia anterior, mas não me importei, segredo é algo que não existe nesta família, todo mundo é muito fofoqueiro e as notícias vazam rapidamente, sabia que não precisaria apertar nenhuma das duas, pois logo a informação chegaria aos meus ouvidos. A refeição matinal acabou e ninguém comentou nada, achei melhor ignorar a questão, ainda que achasse que haviam olhares sendo trocados, pensei que pudesse ser imaginação minha, apesar de saber ler muito bem minha família, não seria a primeira vez que eu estaria enganado.
    Aproveitei a oportunidade para conversar bastante com meu pai, ele é comerciante e está sempre trocando idéias sobre quais os passos a tomar e compartilhando suas vontades. Ele sem dúvida é uma das pessoas mais competentes que já conheci, e olha que tive a oportunidade de trabalhar com pessoas estudadas e que vieram de diversos cantos do mundo, eu nem saberia explicar como ele conseguiu fazer tudo o que fez, só sei que ele não tinha instrução o suficiente, não tinha estrutura, apoio ou dinheiro, mas do nada ele levantou um grande comércio, hoje conta com mais de cinquenta funcionários espalhados por quatro lojas em duas cidades. Apesar de não saber como ele fez tudo isso, talvez esse tenha sido o maior segredo do meu sucesso profissional até o momento, ele me fez acreditar que eu podia fazer o que quisesse, pois ele tinha conseguido, e eu, sendo filho, era dotado das mesma capacidades. Ele nunca me disse essas palavras, e provavelmente nem fazem sentido, mas o que importa é que eu sempre acreditei e as coisas funcionaram para mim.
    Na hora do almoço, enquanto todos estavam comendo, mesmo de cabeça baixa eu pude perceber minha irmã olhando para a minha mãe novamente, então apenas levantei a voz e falei: “Eu posso esperara vocês decidirem falar o que quer que queiram falar, mas estou começando a ficar sem paciência e vocês sabem que eu posso ser muito bom em arrancar informações de vocês se eu quiser”. Nesse momento meu pai só colocou um sorriso no rosto e continuou comendo.
    Minha mãe, como sempre, foi quem começou falando.
    “Sabe Bruno, você é um homem inteligente, bem sucedido, que se veste bem, é educado... então eu estava conversando com sua irmã e decidimos que vamos arrumar uma namorada para você”.
    Era só o que me faltava, de tempos em tempos elas retomam esse assunto, e eu sempre me estressava, mas no fim acalmava os ânimos antes de explodir, afinal de contas não fazia sentido compartilhar pensamentos que só trariam mais preocupação.
    “Isso Bruno, - completou minha irmã - vai ter uma festa semana que vem, tipo um baile, e já estou espalhando entre algumas conhecidas que você vai estar aqui, e você sabe que todas são curiosas para te conhecer por conta das histórias que eu e minha mãe contamos sobre você”.
    Alcoviteiras, isso sim! Por costume as chamava de mãe e irmã, mas eram na verdade alcoviteiras e amigas da onça. Eu tentei puxar o discurso padrão, de que não era tão simples assim, que relacionamento não era um checklist que você marcava as características das pessoas e encontrava o amor por uma fórmula, era muito mais complexo que isso.
    Claro que eu também já sabia o discurso que seria adotado por elas. Primeiro começariam dizendo que eu era muito fechado, que eu não dava oportunidade, depois iriam falar que sendo eu tão inteligente, tendo lido tantos livros, não é possível que não tenha aprendido nada sobre as pessoas, e como só é possível entrar em um relacionamento conhecendo novas pessoas e se arriscando, e por ai vinham outros discursos decorados.
    A tarde chegou, acabou o almoço mas o assunto não, ainda estavam falando pelos cotovelos, nesse momento minha irmã já estava com um tablet na mão mostrando fotos de amigas no facebook. Algumas eram bonitas, outras nem tanto, mas todas com seu certo encanto, ainda que nenhum parecesse me afetar.
    Vez ou outra se escutava a voz do meu pai, hora para me defender e hora para me atacar, mas sempre para fazer todos rirem, todos seus comentários eram cômicos, nem eu conseguia manter a seriedade nesses momentos.
    Existem certos momentos que você pensa se deve se abrir totalmente e deixar cada um se virar sozinho, ou continuar tomando as porradas que as pessoas te dão e apenas respirando fundo. Eu costumo seguir a segunda opção, sempre falava para uma amiga minha que eu era feito de um material mais resistente do que os outros, então não me importava de apanhar, pois pelo menos eu sabia que aguentava, o mesmo não poderia garantir para todos.
    Mas hoje seria diferente, hoje eu resolvi falar um pouco como eu me sentia, sobre o que se passava na minha cabeça e a forma como era minha vida.
    “Mãe, eu agradeço sua preocupação, sério mesmo, de todo meu coração, afinal de contas que tipo de mãe você seria se não se preocupasse comigo? No entanto existem coisas a meu respeito que talvez nenhum de vocês tenham idéia, seja porque vocês não reparam em nada ou seja porque eu sou muito bom em esconder. Eu sou diferente, e antes que pensem que eu tenho opções sexuais diferentes, quero deixar bem claro que eu gosto mesmo é de mulher, muito por sinal...”
    “Acontece que nem tudo deu certo para mim como vocês pensam, o Fábio - marido da minha irmã - uma vez me perguntou se eu não chorava, queria saber como eu aguentava a pressão as vezes, eu disse que tinha um alto limiar de dor, mas era mais do que isso, eu praticamente já tinha esquecido da dor, de tão presente que ela está em mim, e portanto isso deixou de ser uma desvantagem e passei a usar a meu favor. Eu não consigo me conectar com pessoas porque elas não me compreendem, elas não sentem a vergonha que eu sinto quando eu vejo uma pessoa pedindo esmola na rua, ou quando eu vejo uma pessoa sem uma perna e eu reclamo que estou cansado de ficar de pé, as pessoas acham isso bobagem, e acabam esquecendo desses detalhes, mas comigo é diferente, eu tenho um cérebro que não me deixa esquecer que eu sou, como sou, como os outros são, e constantemente me lembra o quão pouco eu faço com tudo que tenho.”
    “E mesmo quando eu consigo disfarçar tudo, para tentar viver neste mesmo mundo que todo mundo vive parecendo não me importar, não enxergar as verdadeiras dificuldades que o mundo oferece, eventualmente eu encontro uma mulher, que me atrai, que me faz sentir o desejo de estar com ela, e eu arrisco me envolver. Mas eu gosto de jogar xadrez, e gosto de exergar tantos movimentos quanto possível na frente do oponente, e, associado com minha habilidade de programar e encontrar padrões lógicos em rotinas e comportamentos, em pouco tempo eu consigo enxergar essa mesma pessoa que hora era interessante, como alguém previsível, e portanto não mais interessante. Essa mesma mulher, no entanto, me vê como um cara que a compreende, que sempre está prevendo seus passos e facilitando sua vida, e acha que encontrou o cara da vida dela.”
    “Eu, por outro lado, já estou carregando um fardo, estou jogando um jogo que já terminei e não me trás mais desafios, uma partida em que o adversário já não tem mais condições de me surpreender. Nesse momento as coisas acabam, eu sou frio, pois é isso que sinto no momento, a garota não entende, fala tudo que pode de ruim ao me respeito e, por fim, passa a me odiar.”
    “Nesse momento, quem se odeia já sou eu, afinal de contas, que tipo de homem se acha prepotente o suficiente para pensar como eu penso? Que tipo de criatura trata outras pessoas que estão envolvidas sentimentalmente como se fosse um jogo? Eu não sei, porque não conheço nenhuma outra, só sei que repudio todas elas, ainda que nessas situações eu seja a própria criatura. E isso ninguém entende, por isso, ao longo do tempo, eu passei a tomar cuidados para que ninguém percebesse, afinal de contas, não faz sentido se comunicar com alguém em um idioma que a pessoa não entende.”
    “E eu já passei por este ciclos mais de uma dezena de vezes, talvez mais de duas dezenas, e o desfecho final sempre é o mesmo. Hoje já não sinto, também não me importo, pelo menos não comigo, e não fosse pelo tanto que me importo com os outros, seria a perfeita definição de um sociopata, mas não se preocupem, já fui ao médico e fiz os testes necessário para garantir que esse não é meu caso.”
    “Se vocês tivessem a menor idéia da sensação que é participar sem o sentimento de pertencer, saberiam o quão desesperador é estar cercado a todo momento, observar as interações, entender perfeitamente como elas funcionam, e exatamente pelo fato de entender, temer que possivelmente você jamais se conectará da mesma forma que os demais.”
    “Mas não se preocupem comigo, os primeiros anos foram os mais difíceis, mas até mesmo uma guerra, depois de mais de 10 anos batalhando, se torna uma rotina amarga que você já aceita como parte da sua vida.”
    Eu queria que eles entendessem como eu me sinto, mas jamais conseguiria colocar em palavras o sentimento de não pertencer, não participar, não se conectar, quase como se fosse uma casca vazia, oca por dentro.
    Minha mãe estava chorando, meu pai com os olhos vermelhos, minha irmã me pedia desculpas, o marido dela dormia e minha linda sobrinha estava distraída servindo chá para suas bonecas.
    Eu já me arrependia de cada palavra pronunciada, um clima de velório pairava sobre a casa, definitivamente não estávamos em um clima de páscoa, e nenhuma palavra que eu pronunciasse seria capaz de reverter isso.
    O pior de tudo, é que ao alongo do dia agora eu reparava na troca de olhares entre meus pais, meu pai com olhar vago e minha mãe se lamentando com ele, como se a minha situação fosse culpa deles, algo que ela teria feito de errado, algum ensinamento não repassado, um abraço a menos que foi dado enquanto eu era criança. Eu tentei explicar para os dois que aquilo não me incomodava, eles tinham tido um filho forte, que estava acostumado com a vida e com os fardos que carregava.
    O que mais me incomodava era o meu egoísmo, eu sabia que tinha falado tudo isso só para calar a boca deles sobre as conversas sobre namoradas, eu tinha sido egoísta, coloquei minha vontade na frende da deles, e por isso agora eu ainda estava com os mesmos problemas, e todos eles com um problema mais, e não há nada que me irrite mais do que machucar minha família, o maior problema era que neste momento o culpado e portanto foco da raiva, era eu mesmo.
    Uma pessoa enraivessida pode fazer besteiras, se for consigo mesma então pode ser mais perigoso ainda, visto que as vezes a sensação de que você será o único faz com que você exagere um pouco, pois acha que ninguém mais será afetado pelas suas ações. No entanto eu não sou trouxa a ponto de fazer uma grande besteira, jamais agrediria meu corpo ou colocaria minha vida em risco, eu amo a vida, e jamais abrirei mão dela.
    Em momentos que eu me sentia assim, por vezes perdia a consciência, e isso significava que eu não me importaria com o que iria fazer, agiria com o menor pingo de remorso e certamente me arrependeria depois. No domingo, ainda com clima de velório na casa dos meus pais, me despedi e voltei para minha cidade.
Quando entrei no apartamento vi o tal cara que havia convidado a Júlia para sair deixando ela no portão, ela entrou correndo e chorando. Assim que entrei no meu apartamento eu peguei meu celular e pensei em ligar para a Júlia para saber o que havia acontecido, eu sabia o bem que poderia fazer para ela, eu era muito bom em confortar pessoas em situações assim, ainda que eu não tivesse a menor idéia do que estava acontecendo.
Pensei por cerca de dez minutos, finalmente resolvi fazer uma ligação, dez minutos depois minha campainha toca.
“Pensei que você não viria”
“Nossa, bonito apartamento, do outro lado ele não parece tão grande assim”
Ela estava com um short jeans curto com as pontas desfiadas, uma blusa branca colada no corpo que realçava o formato dos seis, mas o que mais me chamava a atenção eram os cabelos vermelhos. A vizinha que da sacada parecia uma menina, tinha um corpo de mulher, e não teria aceitado o convite pelo telefone se realmente não fosse.
Eu sabia que iria me arrepender do que estava fazendo, mas verdade é que naquele dia eu precisava relaxar, a Júlia só me traria mais dores de cabeça no momento, meu sub-consciente tentava me convencer que ela também tinha acabado de ter uma noitada com o cara do trabalho. E eu estava prestes a ter a minha.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Chapter X - Easter

Acordei às 11h com meu celular tocando, minha mãe, ela queria saber onde eu iria passar a semana santa. Páscoa! Eu andava tão avoado esses últimos dias que nem reparei que faltavam apenas 2 semanas para a Páscoa.
    Os diálogos com minha mão não mudam muito, ela sempre pergunta como eu estou, se tenho me alimentado direito, se não estou trabalhando muito e por fim se esse ano eu vou levar alguém de acompanhante no final de semana. Do meu lado também não muda muito, eu falo que estou bem, mas só tenho comido fast-food e nunca trabalho mais de 20h por dia, e esse ano estava pensando em levar duas acompanhantes, afinal de contas sempre tive uma tara por gêmeas. Ela me recrimina e dá risadas, assim nós nos entendemos.
    Quando desliguei reparei que a luzinha verde do celular piscava, fui olhar o que era e vi duas mensagens e três ligações perdidas. A primeira mensagem era da operadora de celular me oferecendo uma pacote novo, a outra era da Rafaela pedindo para que ligasse de volta, todas ligações era da Rafaela também, para minha decepção, cheguei a ter esperanças que alguma seria da Júlia.
    As ligações da Rafaela era duas seguidas do dia anterior e uma de hoje, o que não assusta tanto, mas já me envolvi com garotas que ligavam cinco vezes seguidas, isso é assustador, se eu não escutei na segunda eu não vou escutar mais, e quando eu ver a ligação perdida eu ligo de volta.
    A verdade é que eu não tinha vontade de nada, a não ser de comer, estava com uma fome animalesca, ligar para alguém e ser simpático não era minha prioridade, mas precisava resolver isso antes que o telefone voltasse a tocar. Fui ver o que a Júlia tinha preparado e aparentemente ainda estava comestível, só precisei esquentar um pouco, se estava bom daquele jeito, no dia anterior devia realmente estar uma delícia.
    - Rafaela?
    - Oi Bruno, estava preocupada com você, está tudo bem?
    - Tudo ótimo, e você?
    - Melhor agora, se sentindo bem? Pronto para arrasar já?
    - Sempre pronto! Você que deu azar, presenciou um raro momento de fraqueza...
    - Então como vai ser? Eu passo ai ou você passa aqui?
    - Nenhum dos dois, acho melhor terminar as coisas por aqui, não deveríamos mais nos ver.
    - Perae, o que?
    - Isso mesmo Rafaela, se lembra da primeira vez que te abordei no bar e você me disse que estava na dúvida se eu realmente era ingênuo ou se era um cara muito esperto tentando te enrolar? Parece que seus instintos estavam certos, talvez eu seja mais um cara babaca.
    - Não estou entendendo nada Bruno! Como assim? Você não é babaca, eu sei disso! Se fosse você teria transado comigo e depois me dispensado.
    - Talvez eu tenha desistido por algum outro motivo, talvez pelo fato de você ainda morar com seus pais, ou ter achado que estava indo rápido de mais, não sei ao certo.
    - Você é um filho da puta, sabia? Ainda não entendi nada, mas se o que você queria era nunca mais ver, parabéns! Não estou engolindo esse seu papo furado, alguma coisa aconteceu entre ontem e hoje, mas já estou com raiva o suficiente de você para não me importar! Eu tenho pena de caras como você, vocês são um lixo!
    E essa foi a ultima vez que falei com a Rafaela, eu poderia ter me encontrado e falado pessoalmente, mas não ia mudar muito. Por experiência eu sei como essas coisas funcionam, quanto mais simpático eu tento ser, mais com fama de filho da puta eu fico, e no final a moça fica pensando o que ela tem de errado para não ter dado certo, então eu visto a máscara de vilão, assumo a culpa, não faz me sentir melhor, mas certamente vai fazer ela se sentir, em duas semanas ela nem vai mais lembrar o meu nome.
    Eu não me sinto nada bem quando isso acontece, eu tenho uma amiga pedagoga que diz que por um motivo bizarro qualquer eu tenho essa necessidade de sofrer, que eu constantemente me coloco em situações em que assumo a fama de vilão mesmo quando não sou, e que em diversas situações que estou próximo de ser feliz eu faço algo inesperado e estrago tudo, como se eu fosse um miserável por opção. Mas se tudo isso fosse verdade, e eu sentisse prazer nisso tudo, eu seria um sociopata, ou se eu simplesmente fizesse isso porque gosto de ser um miserável de felicidade, eu estaria depressivo, e certamente não era um cara depressivo, pois ela sempre falava que eu era uma das pessoas mais fortes que ela conhecia. Resumindo, eu era um ser bizarro, uma criatura digna de estudo, talvez devessem me prender num laboratório, como fazem com os ratos, apenas com uma rodinha no meio para eu me exercitar.
    Eu estava prevendo um momento down na minha vida, acho que a maioria das pessoas é assim, leva uma vida com picos e vales, é claro se você varia muito rapidamente na verdade você é uma pessoa com distúrbio bipolar, mas não acreditava que esse fosse o meu caso.
    De tempos em tempos, normalmente após um momento de felicidades, algo acontecia e eu vivia um momento quase depressivo, seria como se minha vida fosse um livro e após um excitante e viciante capítulo viesse um novo capítulo que não conseguisse prender a atenção do leitor. Nessas épocas eu me afasto da minha família, foi por isso que eu decidi sair de casa em primeiro plano, meus pais não merecem ver meu sofrimento, pai nenhum merecesse ver o sofrimento de um filho.
    Eu nunca fiz nada destrutivo ou inconsequente nessas fases da minha vida, mas certamente pensei, como se caso eu sentisse dor ou tivesse uma experiência de quase morte eu estaria recebendo o que realmente merecia e ficaria satisfeito, mas eu sou esperto o suficiente para saber que isso era besteira, afinal de contas isso não muda nada, quem passa por isso e diz que mudou de vida, certamente muda, apenas nas primeiras semanas, depois tudo volta ao normal. Quase morrer, ficar doente, nada disse muda uma pessoa, pois são coisas passageiras, acredito que morrer realmente muda, certamente muda para as pessoas que ficam, que não tem nada a ver com a história, e a pessoa que se vai, bom, para essa pessoa certamente muda também.
    Nada mais de interessante aconteceu no meu dia, saí de tarde para comprar ovos da páscoa, comprei para todos de acordo com o gosto de cada uma, um gigante para minha sobrinha e, é claro, para o marido da minha irmã eu comprei um vagabundo de uma marca que nunca tinha visto na vida, afinal de contas no ano passado ele havia reclamado que eu gastava muito dinheiro com ovos da páscoa, que isso não tinha valor nenhum, já esperava o momento da entrega, só para ver a cara que ele iria fazer.
    A semana passou monótona, uma das vantagens de quando estou nessa fases estranhas da minha vida é que não vejo o tempo passar, para muitos isso pode ser algo bom, para mim é péssimo, odeio quando não sou produtivo, quando não estou fazendo algo dinâmico e vendo que estou desenvolvendo um crescimento, seja pessoal ou profissional. Mas talvez o mais monótono foi a ausência da minha aluna, ela não apareceu nenhum dia, e nos encontros matinais na academia se reduziam a um simples bom dia, quando eu chegava ela saia, na quarta-feira eu resolvi perguntar:
    - Impressão minha ou quando eu chego você sai?
    - Claro que não, estou acordando mais cedo, pode checar o crônometro da minha esteira se quiser.
    - Não, não, eu confio em você.
    E ela não quis repetir, mas tenho certeza que logo em seguida ela resmungou “Como se o meu mundo girasse em volta de você”, mas não quis insistir, não valia comprar a briga.
Na sexta-feira o Glauber não apareceu no trabalho, achei estranho, liguei na escola e descobri que ele também faltou, mas poderia apenas ser uma doença, eu não tinha como ligar pois eles não tinham telefone, e também não queria aparecer por lá, não era o lugar mais aconchegante do mundo e eu estava muito desorientado para ir num lugar daqueles sem prestar a devida atenção e tomar o cuidado que deveria.
Após ter chegado em casa e desenvolvido todas minhas rotinas, recebi uma ligação da dona Maria, ela queria que eu descesse para ajudar com o gás, ela disse que não estava conseguindo acender o fogão e precisava da ajuda de um homem, eu falei para ela chamar o zelador, mas ela insistiu que não iria chamar o coitado depois das 22h, afinal de contas ele já tinha trabalhado o dia inteiro, como se eu também não tivesse trabalhado o dia inteiro, mas ela tinha crédito comigo, resolvi descer.
Quando cheguei no primeiro andar ela estava na porta, conversando com a Júlia, a sensação foi de um soco no estômago, me tirou o ar, na verdade eu nunca tinha levado um soco no estômago, mas definitivamente eles deveriam tirar o ar.
A Júlia estava com uma saia curta e uma blusa que mostrava um dos ombros (sabe-se lá qual o nome daquela roupa), um pouco de maquiagem e cabelo solto.
- Alguém vai arrasar corações esta noite, não acha Bruno? - Me perguntou a dona Maria quando eu saí do elevador.
- Certamente arrasaria o meu...
- Não, acho que não, - disse a Júlia - já tenho destino certo, resolvi aceitar o convite do Davi, um cara do trabalho, ele sempre me chama para sair, eu nunca aceito, foi uma semana difícil, resolvi aceitar. Acho que é hora de parar de correr atrás dos outros, quero ser escolhida, é boa a sensação, ele é um cara bacana e parece gostar de mim.
- E por quê ele parece gostar de você?
- As meninas dizem que ele sempre pergunta, e sempre me chama para sair, ninguém insistiria tanto se não gostasse, não acha?
- Não necessariamente, ele poderia ser um cara cafageste e tem o hábito de ficar chamando garotas para sair, como ele sempre faz, é algo fácil para ele, enquanto um cara correto poderia morrer de vontade de ter sua companhia esta noite mas não tem coragem de te chamar, claro que isso é só uma hipótese, espero que você esteja certo sobre o Daniel.
- Davi, o nome dele é Davi.
Naquele momento um pequeno sorriso apareceu no canto do rosto da dona Maria, ela sabia que eu fazia isso, trocava o nome das pessoas apenas para irritar.
- Me desculpe, tive uma semana difícil também, ando meio avoado, para você ter uma idéia, tinha até esquecedio que na próxima sexta-feira é feriado.
- Eu sei, você deve estar avoado mesmo, e por isso que vou desconsiderar sua teoria sobre o Davi. Sabia que as clientes dão bola para ele e ele dispensa? Dai quando estou por perto ele olha de canto de olho para mim e diz que está interessado em outra pessoa, ele não é um amor?
- Só conhecendo para saber, mas como estou avoado, meus julgamentos não vão ter serventia para você.
- Bom, melhor eu ir para portaria, ele já deve estar chegando, tchau para vocês.
O olhar da dona Maria dizia mais do que frases inteiras, ela me recriminava sobre minhas atitudes e achava que eu deveria fazer algo a respeito da Júlia antes que fosse tarde.
- E o gás?
- Você demorou muito e eu resolvi o problema, pode subir para seu apartamento!
- É dona Maria, a senhora definitivamente é um barato.
Ela riu e entrou, e eu subi para meu apartamento.
Se minha semana foi ruim, meu final de semana foi ainda pior, no sábado a vizinha dos cabelos vermelho estava com um tablet com o número do celular escrito, ela ficou acenando, e quando eu resolvi ir na sacada ela mostrou dígito por dígito na tela, e não anotei, mas minha maldita memória gravou os números da mesma forma.
Eu estava entediado, e no domingo resolvi ligar para ela, claro que antes bloqueei o número do meu celular, não queria que ela ficasse me ligando depois:
- Oi vizinha, tudo bem?
- Tudo ótimo, e você? - Uma voz um pouco rouca, muito bonita, para quem estava esperando uma voz de criança, fiquei bastante surpreso.
- Tudo ótimo. Eu tenho algumas dúvidas, mas a primeira é mais importante, qual a sua idade?
- Dezenove, por quê? Pareço menos?
- Honestamente eu não acredito, mas não é bom começar amizades chamando a outra pessoa de mentirosa... Eu me chamo Bruno, e você?
- Eu sou a vizinha oras, como você chamou! Brincadeira, eu me chamo Dayanni Abravanon, olha meu perfil na internet depois, tem uma foto da minha carteira de motorista, já tira as suas dúvida sobre minha idade e você me vê mais de perto.
- Dayanni? Bom, vou continuar te chamando de vizinha... mas depois dou uma olhada para checar se você tem dezenove mesmo... Mas me diga, o que de tão especial você queria falar comigo que ficou acenando da janela?
- Nada oras, apenas conversar, sou nova aqui e quero fazer amizades...
- E as danças? É para divulgar o seu talento?
- Não acreditoooo, você viu? Não era para ninguém ver, que vergonha!
- Deixa ver se eu entendi, você fica dançando na sacada do seu apartamento, e achou que ninguém estava vendo?
- Eu olhei antes, não tinha ninguém na sacada, não imaginei que alguém estivesse olhando.
E derrepente a ligação cai, tentei ligar de novo e recebi a mensagem de telefone desligado ou fora de serviço. Não se passaram nem 2 min e meu celular toca, era a vizinha me ligando novamente.
- Me desculpe, acabou a bateria, agora estou na tomada.
- Só uma dúvida, como descobriu o meu número?
- Ah, você deve ter me ligado enquanto meu celular estava desligado, recebi uma mensagem da operadora de ligações perdidas.
Maldita operadora de celular, se eu escondi meu número esse serviço não deveria funcionar!
- Bom, interessante, agora já sabe como me achar... Mas eu preciso ir, tenho que arrumar algo para comer, vida de solteiro não e simples.
- Humm, solteiro? Isso é bom, eu adoro ser solteira, posso sair com quem eu quiser e quando quiser... mas tudo bem, em outra oportunidade nos falamos.
- Tchau, foi um prazer.
- Beijo.
    Eu tinha certeza de que tinha acabado de arrumar mais uma confusão na minha vida, mas eu não estava pensando direito, só me restava agora esperar e ver no que isso vai dar, só falta essa menina começar a me mandar mensagens. Mal pensei e o telefone vibrou, nova mensagem.
    “Boa noite vizinho, aprende a cozinhar e me convida para comer... rs Bjo S2”
    Definitivamente eu merecia isso, e ainda era pouco. Felizmente na próxima semana eu estava indo visitar minha família, ver minha sobrinha sempre era um injeção de ânimo, é impressionante como um ser um tão pequeno e que faz parte da minha vida a tão pouco tempo pode gerar uma relação de afeto tão grande.
    Durante a semana surgiram novas mensagens da Dayanni, eu não respondia todas e sempre adicionava algo como “estou no trabalho”, “não posso falar”, “em reunião”, para ver se ela se tocava e parava de enviar novas mensagens, mas parecia que isso só deixava ela mais interessada, pois sempre mandava mais mensagens puxando assunto.
    Na quarta-feira o Jorge pediu para conversar sozinho comigo na minha sala, quando entramos eu não tinha a menor idéia do assunto. Para minha surpresa ele queria falar sobre o Glauber, me disse que colocou a mão no ombro do garoto na hora de cumprimentar e ele curvou os joelhos de dor, com muita conversa, afinal de contas o garoto era esperto, ele disse que tinha apanhado do pai com um guarda-chuva, estava com diversas marcas pelo corpo, por isso tinha faltado na sexta-feira.
    Eu odeio sentir raiva, meu sangue ferve, talvez isso seja uma sensação comum, mas para quem raramente fica bravo, é uma sensação horrível, parece que eu vou explodir, ou começar a apitar igual uma  panela de pressão. Eu estava furioso, como pode um pai bater no filho e deixar ele cheio de marcas no corpo? E o pior de tudo, o que eu podia fazer a respeito?
    No dia seguinte eu resolvi comprar ovos da páscoa para todos funcionários, mas esperei o Glauber sair para entregar, só para ter a desculpa de levar na casa dele pessoalmente.
    Quando parei o carro na rua a mãe dele já estava na porta, conversando com vizinha, no momento em que coloquei os olhos nela eu notei um corte no canto da boca, possivelmente de um soco, possivelmente do mesmo vagabundo que tinha deixado marcas pelo corpo do filho.
    Cuidadosamente eu puxei assunto e expliquei o motivo da minha visita, que sob a desculpa de que estava entregando o ovo da páscoa eu estava mesmo interessado era no Glauber, sobre a surra que ele tinha levado. Ela quase chorou, estava com os olhos cheio de água, mas claramente eu podia ver de onde o garoto tinha tirado tanta dignidade, ela me olhou nos olhos o tempo todo, disse saber das escolhas da vida, que o marido nem sempre era um homem ruim, ele tinha bebido e batido no garoto, ela tentou separar e acabou levando um soco também.
    - Quem é esse? - Veio de uma voz grossa de trás de mim.
    Eu olhei para trás e vi um homem quase um palmo mais alto do que eu, jeans surrado e uma camisa com alguns furos, um saco na mão cheio de latinhas amassadas, barba mal feita e mesmo com um pequena distância eu podia sentir o cheio de alcool. Não precisava ser muito esperto para saber, era o pai do Glauber.
    Ainda nervosa, a mãe do garoto disse:
    - Ah meu bem, esse é o Sr. Bruno, o chefe do Glauber, que ajudou a colocar ele na escola e tirou ele da rua.
    - Eu preciso conversar com ele sozinho mulher, entre que agora é assunto que não te interessa.
    Ela me olhou com olhos apreensivos, eu concordei com a cabeça mostrando que estava tudo bem.
    - Quer dizer que o senhor é o pai do Glauber, meus parabéns, o senhor tem um ótimo garoto.
    - Ótimo né? O você é bem esperto, anda em carro de patrão, e não pode ver meu menino que já quis tirar vantagem!
    - Vantagem? Eu estou tentando ajudar, só isso, nem tinha a posição dele na minha empresa, eu criei apenas para oferecer a oportunidade para o menino.
    - Claro! Porque é esperto e sabia que o garoto ia te dar dinheiro! Você acha que eu não conheço o seu tipo? Ele deve fazer você ganhar dez vezes mais do que paga para ele!
    - É isso que você pensa? Bom, não vim aqui para discutir isso, e você parece estar certo disso, não vou entrar em detalhes com você.
    - Claro que não! Pois sabe que está errado, playboy sempre faz isso, finge de intectual e fala que não vai responder porque se acha superior!
    O cara queria briga, a verdade era essa, ele era grande e forte, então certamente essa era a tática dele, irritava e depois gerava briga, onde ele ganhava fácil.
    - Bom, não posso fazer nada sobre suas idéias, mas estou aqui por outro motivo, o Glauber não quis dizer nada, mas pude ver alguns hematomas nele, e não precisa ser muito esperto para perceber que foi briga, quando cheguei aqui vi o machucado na boca da sua esposa, estou surpreso de ver que você não está machucado, as pessoas na sua casa parecem estar sofrendo acidentes recentemente.
    Ele deu dois passo para frente, ficou a menos de meio metro de distância.
    - Você é muito corajoso sabia? Vir aqui e falar que eu bato na minha família!
    - Eu não disse isso, você bate?
    - Não, como você disse, eles estão sem sorte e sofreram acidentes, piso escorregadio, vivem caindo.
    - Que bom, espero que você dê um jeito nisso, alguém mal intencionado pode pensar que você anda batendo neles.
    - Obrigado pelo conselho. Mas agora eu quero conversar com você sobre um outro assunto.
    - Pois não, pode falar.
    - O garoto ganha porquê voltou para escola, você ganha porquê tem um funcionário, a minha dúvida é o que eu ganho nessa história toda?
    - Não entendi, porquê você teria que ganhar algo?
    - Oras, ele trabalhava para mim na rua, trazia dinheiro para casa, e agora ele não trás nada!
    - Bom, ele recebe um salário, que tenho quase certeza que é maior do que ele recebia na rua, sem contar que é fixo, não é variável como era na rua, ainda tem carteira assinada e não corre o risco de sofrer acidentes, que como você disse, ele anda sem sorte.
    - Mas até agora eu não vi um centavo dessa história toda!
    - Claro que não, quando se trabalha só se recebe o dinheiro no final do mês.
    - Não me venha com histórias, eu quero receber uma recompensa por você ter me roubado o garoto.
    - Não entendi novamente, você quer receber um salário também? Em que mundo você vive cara? Não faz o menor sentido o que você está falando, eu vou embora, mande um abraço para sua esposa.
    Nesse momento ele segurou no meu braço e evitou que eu me virasse para ir até meu carro.
    - Olha aqui playboy, eu quero receber uma grana pelo garoto, considere como sendo o passe dele, igual a jogador de futebol, você me dá uma grana e depois pode fazer o que quiser com o garoto, pode até levar ele para morar com você.
    Inacreditável, meu nível de revolta crescia a cada instante, se ele não fosse tão maior que eu talvez eu desce um soco nele, ou vários, não sei, nunca briguei na minha vida, mas tudo se tem uma primeira vez.
    - E quanto seria esse valor, não que eu vá pagar, claro, apenas para saber o quanto vale seu filho.
    - O garoto é bom, como você sabe, me dê 5 mil e ele é seu.
    Eu respirei fundo, fechei meus olhos e sorri, R$ 5 mil era o preço do filho dele. Será que esse cara tinha noção? Será que ele tinha uma vida tão miserável que ele achava que isso era dinheiro? É claro que é um valor alto para quem não tem nada na vida, mas é uma quantia insignificante para quem está negociando o próprio filho, digno de revolta, eu quase fui no banco e saquei a grana.
    - Cara, você certamente me surpreendeu, R$ 5 mil é o preço do seu menino? Bom, eu não vou nem pensar na sua proposta, nunca mais quero conversar sobre esse assunto com você, não perca seu tempo me procurando novamente. - Soltei meu braço da mão dele e entrei no carro.
    - Pode ficar tranquilo que eu vou fazer você mudar de idéia, vou mandar mensagens pelo Glauber, ainda bem que você sabe que o chão do meu barraco é escorregadio, acidentes acontecem.
    Eu só queria chegar em casa, tomei um banho, preparei uma mala rápida e dirigi para o inteiror, no dia seguinte eu tinha um revigorante almoço em família.