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terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Chapter VIII - Junk Food

Se a mulher do GPS não ficasse me lembrando o caminho, te juro que teria dirigido direto para meu escritório, não vou dizer que nunca fiz isso, mas faz tempo que não acontece. A Rafaela morava perto, com o trânsito leve dos finais de semana cheguei na casa dela em 15 min, ela morava em um condomínio grande, cheguei a procurar apartamentos nele antes de comprar o meu, mas eram todos muito grandes para quem mora sozinho, por isso arriscaria dizer que ela ainda mora com os pais, mas isso eu descubro durante o almoço.
A Rafaela estava preparada para matar, a verdade era essa. Ela estava com um vestido frente única preto, não me pergunte os detalhes, eles se perderam junto com meus pensamentos no momento em que ela apareceu no meu campo de visão. Eu a vi no momento em que saiu do prédio, ainda dentro do condomínio, e no momento em que fizemos contato visual ela abriu um sorriso. Naquele momento eu viajei, fui até meu baile de formatura, quase um dejavú da mesma cena.
Eu já estava vestido com meu smoking de formatura, como não bebo, estava dirigindo, passei no hotel em que meus pais estavam hospedados para aguardar o taxi com eles, pois como meu pai pretendia beber, achou melhor não dirigir naquela noite. Eu estava na recepção do prédio, já estava com meu pai e um tio, esperando minha mãe e irmã descerem, quando a porta do elevador se abre, quando olho para trás vejo a Fernanda, irmã de um dos meus melhores amigos, estava com um vestido frente única preto, ela era bem clara, cabelos longos e pretos, quando me viu, abriu um sorriso, eu nem sabia que a família dela também estava hospedada naquele hotel. Eu fiquei paralizado, no momento seguinte ela me chamou pelo meu nome, e só ai eu acordei, olhei para todos os lados constrangido, mas creio que ninguém percebeu que eu havia ficado desconcertado.
Naquela noite passei uma boa parte da festa com a Fernanda, ela queria que eu bebesse, eu queria que ela me beijasse, parecia uma troca justa, e o assunto foi se desenrolando, até que a dona Fátima, mãe da Fernanda, aparece na cena... A princípio pensei que ela estava alí porque tinha percebido algo entre nós, mas na verdade ela queria que fosse no banheiro checar o filho dela, porque ele estava bêbado e passando mal no banheiro. “Grande amigo” ou “irmã do amigo”? Optei pelo amigo, a Fernanda ainda me olhou e fez um não com a cabeça, para que eu não fosse e ficasse com ela na pista, fato que penso nisso até hoje.
A Rafaela me lembrava a Fernanda naquele momento, mas era impossível não lembrar da Júlia também, mas não era pela aparência, e sim por um sentimento de culpa que ainda pairava na minha mente, as palavras da dona Maria pareciam jogar um jogo de pinball dentro da minha cabeça.
- Boa tarde senhor Bruno.
Eu, que estava encontado no carro, olhei para trás, como se procurasse a pessoal com quem ela tivesse falado.
- Não estou vendo nenhum senhor por aqui...
Ela riu.
- Como estou? Exagerei na roupa?
- Você está fantástica, certamente atrairá mais olhares do que o comum, mas isso não é culpa sua.
Ela corou um pouco, mas ao mesmo tempo sorriu pelo canto da boca inclinando um pouco a cabeça para baixo enquanto cerrava os olhos, qualquer um poderia ler a expressão dela, de quem estava feliz por ter alcançado o seu objetivo, que era me impressionar.
Abri a porta do carro para ela, ela agradeceu e entrou como uma lady, virou as costas para o banco, sentou, e depois colocou as pernas para dentro.
E dei a volta por trás do carro e assumi minha função de piloto, até brinquei com ela, dizendo que tinha uma faixa no porta-luvas e era para ela vendar os olhos, ela riu e abriu o porta-luvas, fez uma expressão de alívio quando viu que estava vazio.
- Nossa, por um momento pensei que você era um daqueles tarados maníacos.
- Eu ainda não teria descartado essa hipótese! - Disse com um tom sério.
- Seu bobo, eu namorei um cara que tinha faixa preta de Judô, sei me defender muito bem!
Impossível não pensar em todas as chaves de corpo que ela saberia dar, quando engoli a seco e olhei sem graça ela simplesmente riu.
    - Você tem alguma idéia de onde eu estou te levando?
    - Bom, esse é o mesmo caminho do restaurante que eu tinha te chamado, mas tem ótimos restaurantes por aqui.
    - Espero que goste.
    - Caso eu não goste, você compensa depois.
Tomara que ela odeie. Tomara que ela odeie. Tomara que ela odeie.
    Chegamos, e enquanto saia do carro e entregava a chave ao manobrista, ela ficou meio de boca aberta, ameaçava a falar e só conseguia rir.
    - Pelo visto, eu acho é que sou eu quem vai ter que te recompensar... - E enquanto falava, ela passou por mim e passou a mão pelo meu rosto.
    Assim que entramos o Joel me viu, e logo veio me receber na porta, perguntou como andava a empresa e agradeceu pela visita. A Rafaela olhava meio impressionada, eu gostava das reações dela, ela era bem transparente, o que é legal por eu conseguir saber exatamente o que está acontecendo, mas em contrapartida costuma ser muito simples, o que faz com que eu perca o interesse facilmente.
    - Você realmente é cheio de surpresas, existem mais alguma coisa ao seu respeito que eu deveria saber?
    - Ah, sim, só mais uma coisa, eu não posso demorar porque prometi para minha esposa que vou levar ela para fazer o ultrassom hoje.
    - Mas você é besta mesmo ein?
    Eu adoro ver as pessoas rindo, acho que isso faz bem, não importa que as vezes eu tenha que me passar por besta ou por idiota, é um preço justo por aquele momento de alegria que a pessoa tem. Infelizmente nem todos pensam assim.
    - Mas me diga, você mora sozinha? Cheguei a pesquisar apartamentos no seu condomínio, mas são todos muito grandes.
    - Mais ou menos... O apartamento é dos meus pais, mas já faz algum tempo que eles ficam quase que por tempo integral no sítio do interior, vez ou outra aparecem para uma visita.
- Interessante, então você mora sozinha, mas os pais visitam com frequência, parece descrição de rede social.
- Quase isso, posso garantir que hoje eles não vão aparecer, foram embora ontem.
Sabe aqueles momentos que os olhos estão colados nos olhos de outra pessoa que mesmo que os dois movam a cabeça os olhares permanecem centrados? Foi um momento desses.
O Joel apareceu e interrompeu o momento, fez questão de apresentar o prato e servir a nossa mesa, fato que durante a explicação eu não prestei a atenção em nada, nossos olhares continuavam fixos.
A Rafaela era uma mulher feita, sabia o que queria da vida, a Júlia era uma menina, muito mais inocente, muito mais encantadora, mas enquanto ela vivia de sonhos, a Rafaela era cheia de realizações. É muito bom sonhar, mas existem momentos da vida que é necessário atitude.  A Júlia se fazia de vítima, e esperava que eu atacasse, com a Rafaela, a vítima era eu.
A comida estava horrível. Odeio comer em restaurante chique, tem pouca comida, é tudo muito enfeitado e custa tudo muito caro, sem contar que tem fazer biquinho para pronunciar o nome dos pratos! A única vantagem é que por ser pouco, acabava rápido também, assim o almoço acabou rápido.
Não trocamos nenhuma palavra, nossos olhares raramente se desconectavam, e isso já dizia mais do que livros inteiros.
Assim que terminou de comer, a Rafaela tocou no meu joelho para chamar minha atenção e avisar que ia ao toillet, mas eu estava tão distraido com outros pensamentos que dei um pulo com o toque. Ela simplesmente riu, e eu também, mas as era risadas diferentes, eu por constrangimento, ela como se dissesse: “Ele não passa de um menino assustado”.
Quando ela voltou a conta já estava paga.
- Podemos ir? Ou vai querer sobremesa?
- Não, já estou satisfeita.
- Ufa, porque a conta já está paga, podemos ir embora quando você estiver pronta.
- Eu nasci pronta meu filho...
Eu levantei e estiquei a mão para ela, ela segurou e me acompanhou pelo caminho da saída. Enquanto saía, olhei para o lado, e a minha sensação era de que todas as outras mesas estavam olhando para nós dois, com um olhar de que estivesse óbvio o que estava para acontecer depois que saíssemos pela aquela porta.
Assim que entramos no carro ela apertou o botão “Home” do GPS, a rota calculou 27 min até o destino final, então ela disse:
- Minha casa só fica a 15 min.
Naquele momento eu sabia exatamente o que estava fazendo, e ainda que tivesse visto a Júlia em meus pensamentos na minha ultima piscada, soltei o cinto do carro que tinha acabado de prender e a beijei. Quando me afastei e voltei para prender meu cinto novamente foi a vez dela, que soltou seu cinto e veio me beijar, quando parou eu disse:
- Podemos continuar essa rotina o dia inteiro, mas acho melhor sair daqui antes que o povo comece a bater fotos...
Ela simplesmente riu e se ajeitou para colocar o cinto enquanto eu dava partida no carro.
Fomos praticamente em silêncio até o apartamento dela. Chegando perto ela já disse para que colocasse o carro na garagem, a vaga dos pais dela estava livre. Me guiou pela garagem até chegarmos na vaga, que por sinal, era muito pior que a minha, 42 passos até o elevador, e na tensão que nós dois estávamos mais parecia uma maratona com seus 42 km, ou mais precisamente 42.195 m, uma história interessante também sobre sua origem, mas que nem me passou pela cabeça naquele momento.
Eu fui logo em direção ao elevador e apertei o botão de subir, estávamos no piso mais inferior. Quando virei as costas e ia entrando no elevador (que coincidentemente já estava naquele andar) ela pediu para eu esperar e se afastou de mim com passos mais rápidos que o comum, mas não chegava a ser correndo, como quem faz cooper. Quando ela chegou na frente do elevador de serviço, ela disse:
- Ei, esqueci algo. Hoje teve mudança, o elevador está com proteção, tampa a câmera. - E sorriu maliciosamente.
E se aproximou e deu um beijo no meu rosto. Ficamos em silêncio esperando o elevador, quando a porta se abriu ela entrou e eu fique do lado de fora, parado.
- Você não vem? E riu. Ainda mais maliciosamente.
Assim que pisei dentro do elevador eu não tive chance de interpretar o meu primeiro pensamento, ela me pressionou contra a parede do elevador - logo debaixo da câmera, onde tinha o ponto cego - e me beijou, pressionando o corpo contra o meu enquanto eu passava a mão pelos seus cabelos.
A porta do elevador se abriu, 18º andar, enquanto ela procurava a chave dentro da bolsa, na maior calma do mundo como se nada tivesse acontecido, eu apoiei o braço direito no batente da porta e encostei minha cabeça, como quem faz na hora que está brincando de esconde-esconde.
No exato momento que fechei meus olhos eu revi toda a cena na minha cabeça, o momento em que a Júlia pediu que eu esperasse, que veio correndo na minha direção, muito semelhante como aconteceu com a Rafaela, e a forma como a Rafaela me “atacou”, diferente como eu fiz com a Júlia, eu me sentia mal, pois o problema não era a Júlia, era eu. Eu não queria estar alí, não com a Rafaela, eu queria a outra, mas meus valores morais me agrediam, não era a primeira vez que isso acontecia, e eu já sabia que no final da história eu ia acabar ficando sem as duas.
Pensei em dar uma desculpa e ir embora, mas ia ficar chata a situação, então pensei o máximo que pude nos poucos instantes que tinha, e tentei um plano diferente, boas mentiras são feitas de detalhes, se você souber planejar da forma correta quase ninguém saberá dizer que não é verdade.
- Posso usar o seu banheiro? - E não disse mais nada, olhei para cima e soltei um suspiro lento. Ela me olhou preocupada com a cara que fiz.
Fui até o banheiro e deixei a porta aberta, lavei o rosto e molhei a nuca. Ela, que estava parada na porta, perguntou:
- Você está bem?
- Não sei, sint um mal-estar, talvez algo que comi naquela porcaria de comida não me fez bem... Que merda! Isso só acontece comigo...
- Ei, relaxa, eu tenho uns remédios aqui, quer algo?
- Não, acho melhor eu ir embora, não gosto de remédios, talvez deitando melhora...
- Quer deitar aqui?
- Não, obrigado, prefiro ficar em casa, por via das dúvidas posso dormir o quanto quiser sem gerar nenhum incômodo.
- Tudo bem, você consegue dirigir? Eu posso guiar o seu carro e pegar um taxi depois se você quiser.
- Acho que estou bem, consigo dirigir.
Ela desceu junto comigo no elevador, desta vez nos comportamos como pessoas normais. Confesso que achei muito fácil, estranhei a aceitação dela.
Quando entrei no meu carro, ela segurou a porta e entrou junto comigo, sentou no meu colo, puxou minha cabeça e me deu um beijo longo.
- Desta vez você escapou, se não tivesse se esforçado tanto na surpresa, diria que estava me enrolando, da próxima vez cozinhamos em casa para não ter problemas!
Eu apenas sorri, forçadamente.
- Sim senhora!
Ela esperou eu sair com o carro, e pelo retrovisor eu pude ver ela se dirigindo ao elevador.
Eu sou um idiota. Na verdade sou muito mais do que isso, sou um idiota e um burro, somados.
Cheguei em casa, cara de acabado, a dona Maria estava no térreo conversando com o porteiro, quando passei por ela ela percebeu que eu não estava bem, minha cara entregava que eu não estava satisfeito.
- Tá tudo bem Bruno?
- Tá sim, por quê?
- Quer conversar? Não estou fazendo nada, você parece que precisa de alguém para conversar agora.
- Talvez sim, mas como a senhora bem sabe, eu não sou de fazer isso, agradeço, mas passo.
- Tem certeza? Ninguém consegue resolver tudo sozinho meu filho.
- Eu sei, mas como a senhora também sabe, eu adoro desafios! - Falei sorrindo.
- Pelo menos conseguir tirar um sorisso seu.
- Eu só não estou me sentindo bem, mal-estar.
Eu, ainda sorrindo, concordei fazendo movimentos lentos com a cabeça.
Chegando no meu apartamento fui direto para o banho, ainda de roupão peguei uma garrafa d’água na geladeira e fui para a sacada. Para minha surpresa, no prédio em frente ao meu tinha uma menina com um short jeans curto com as pontas desfiadas e um top tomara que caia preto dançando na sacada, logo reconheci os cabelos vermelhos, era a mesma vizinha que acenou no outro dia, estava dançando algo um tanto quanto estranho para se dançar na sacada, se fosse arriscar, diria que era “funk” ou algo pior. Mas confesso, era difícil tirar os olhos da menina, ela tinha um corpo bonito, cabelos vermelho fogo, e ainda que fosse vulgar, a dança era bem sensual.
Mas não fiquei muito por ali, logo ela percebeu minha presença e acenou novamente, eu fingi que não ví o gesto olhando para o outro lado, ela assobiou, eu continuei ignorando e entrei para evitar maiores confusões, já tinha problemas demais com mulheres no momento.
Deitei no sofá e recebi uma mensagem da Rafaela perguntando se eu já tinha recobrando minhas forças, enquanto escrevia a resposta recebi outra mensagem, desta vez da Júlia, dizendo que se sentia mal por ter me forçado a caminhar, dona Maria havia comentado que eu estava mal e se sentia culpada.
Duas pessoas totalmente diferentes, uma cobrando minha melhora e outra lamentando, as duas eram totalmente diferentes, e eu não fiz nada com uma pensando na outra e depois recuei com a outra pensando na uma. Eu só tinha certeza de três coisa, meu mal-estar fictício estava se tornando real, eu era um idiota (além de burro) e, eventualmente, ia acabar ficando sem as duas.
Acordei de madrugada ainda jogado no sofá, vesti meu pijama e fui dormir na cama, sem sonhos nessa noite.