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segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Chapter I - Sleepy

Sono... Sempre sinto sono e durmo quando estou sentado, o problema é que trabalho sentado, dirijo sentado, como sentado e todo lugar que vou alguém me oferece um lugar para sentar. Certo que essas paredes não ajudam, eu não sei quem teve a idéia de que as paredes têm que ter essas listras pintadas de fora a fora, odeio quando entro em um corredor e as paredes têm aquelas listras pintada a meia altura, parece que estou em um corredor sem fim, mas bem, está quase acabando esse martírio, deve estar quase na minha vez, acho que aguento ficar acordado, tem a mocinha bonita na minha frente só, o velho chegou depois de mim.
- Bruno Rodrigues, é o senhor?
Já era hora, os médicos sempre marcam um horário, mas atendem por hora de chegada, horrível esse método, porque sempre tem engraçadinho que marca e chega mais cedo para tirar vantagem, o mundo está cheio desse tipinho, não gosto disso.
- Olá, sou eu sim, já está na minha vez?
- Me desculpe, mas o Dr Fernandez acabou de receber uma chamada de emergência no centro cirúrgico e teve que sair as pressas, o senhor gostaria de remarcar sua consulta para outro dia?
Já sei, eu vou sair do consultorio e, quando chegar no corredor, vou deitar no chão e esperar alguém vir me socorrer, qualquer um que me encontrar deitado vai achar que estou passando mal e vai chamar um médico, assim vou ser atendido rapidinho!
- Bom moça, se não tenho outra opção, vamos logo marcar essa consulta, mesmo horário para semana que vêm, que tal?
- Mas qual dia?
- Mesmo dia.
- Como assim mesmo dia?
- Terça, hoje é terça, mesmo horário terça que vem, tem horário livre?
- Ah, um momento... Humm... Não tem não Sr. Bruno, só vou ter uma hora mais tarde, mas posso lhe contar um segredo? Agente marca as consultas, mas atende por hora de chegada, o Sr pode marcar mais tarde e chegar ao mesmo horário que vai ser atendido da mesma forma!
Interessante, quem administra o sistema oferecendo formas de burlar o sistema, acho que me recordo disso acontecendo em outro lugar... será que eu posso ser espertinho também?
- Ok mocinha, pode marcar então, se der eu chego mais cedo.
- Mais alguma coisa Sr?
- Um lanche, fritas médias e refri médio, que tal?
- Hã?
- Nada, esquece... Só estou com fome...
O pior é que ela não entendeu a piada, acho que já fui melhor nisso, gostava mais quando as pessoas ficavam bravas com as coisas que eu falava, agora elas nem entendem mais! Será que estou piorando ou será que as pessoas estão ficando mais tontas? Isso me preocupa, não importa quem está mudando, o que importa é que estou ficando cada vez mais distante, em breve vai acontecer o inevitável. Isso é triste.
Agora não falta muito e mais um dia se vai: atravessar o corredor sem reclamar das faixas, pegar o elevador e descer, pegar o carro e dirigir até em casa, parece simples.
Para variar, tem um garoto rondando os carros, vai me pedir uns trocados, mas ele nem sabe qual é meu carro, outro absurdo, pago IPVA, seguro obrigatório, seguro do carro, impostos para segurança pública e ainda pago pedágio para dirigir em estradas boas, e no final das contas, ainda tenho que pagar alguém para ficar olhando, literalmente olhando meu carro, uma pessoa que vai fazer nada se alguma coisa acontecer.
- Ei tiu, tava vigiando seu carro, tem um trocadinho pra'judá?
- Opa, tem sim, mas só pago se você me disser qual é o meu carro!
- Ah tiu, to cansando já, fiquei aqui o dia todo, é tanto carro que eu acabo esquecendo, mas nunca roubaram um carro aqui na minha rua!
Poxa, o muleque vigia carro e é dono de uma rua, só eu que não consigo juntar nada mesmo...
- E se um qualquer tentasse levar meu carro? Quem garante se ele te desse umas moedinhas você não ia deixar ele ir também?
- Ah, você não me perguntou isso tiu, você tem um BMW, vestido desse jeito e me faz uma pergunta dessa?
- Ué, só dou valor as minhas moedinhas!
- Não estou falando das moedinhas não tiu, to falando que quando você olha para alguém você sabe a intenção dela! Quem rouba, olha para os lados, fica tenso, e por mais que disfarce dá onda.
- Meu filho, tem malandro muito malando hoje em dia.
- Eu vivo na rua tiu, aprendi a ler as pessoas para poder viver, tenho que saber quando alguém me olha torto para não apanhar, saber quando meu pai tá bêbado para não cruzar na frente dele, pode ter malandro que é malandro como você disse, mas o Sr tá com uma cara de cansado, viajando, parece que tá pensando em muitas coisas, passou a mão na cabeça quando saiu do prédio, deve tá puto com algo que aconteceu, dai passou a mão na barriga enquanto deu olhada na rua procurando algum lugar para ir, isso é fome! Quem rouba carro pode parecer natural, mas não consegue disfarçar essas coisas que o Sr fez!
- Quantos anos você tem moleque?
- Muleque não tiu, é Glauber! Tenho 14!
- Já comeu hoje?
- O Sr quer saber se estou com fome? Opa, tô sim!
- Que tal um lanche, fritas médias e refri médio?
- Só se for agora! Mas você paga! Senão vai ter que voltar amanhã e me ajudar a vigiar uns carro!
Isso é bom, me deixa feliz, depois de um dia de trabalho, um stress no consultório médico, conheço um garoto desses, uma supresa, e diferente de tantas outras, uma supresa boa, minha hora de fazer algo para retribuir essa supresa.
- Grauber, sabe a diferença entre aproveitar a oportunidade e estragar a oportunidade?
- Opa tiu, estragar a oportunidade é quando patrão cola aqui na rua e amigo meu fala: - É R$10 pra vigiar o carro. Dai o patrão olha feio e num dá nada. Quando acontece isso eu digo algo do tipo: - Opa patrão, dia importante hoje?
- E funciona?
- Nem sempre, tem patrão que é mão-de-vaca, mas a maioria interage, e no fim fala: Toma tanto porque foi educado!
- E você aprendeu isso tudo com alguém?
- Claro que sim tiu, ninguém aprende nada sozinho, aprendi com a rua, ela me ensina uma coisa nova todo dia!
- Seguinte Grauber, meu nome é Bruno, mas pode continuar chamando de tio se quiser, escolhe logo seu lanche que ainda tenho que ir embora.
Fiquei feliz novamente em ver o guri comendo, todo dia eu como viajando, pensando em tudo que tenho que fazer, nos problemas a resolver, ele não, ele simplesmente está feliz por ter uma refeição, que apesar de fast-food, é tudo de bom para ele, gostaria de fazer mais.
- Você estuda?
- Hã, humm, ehh... sim...
- Que série?
- Eu tô na 8ª.
- Com essa idade?
- Ah, ehh...
Sabia, o olhar tenso quando eu fiz a pergunta, depois a resposta sem me olhar no olhos, não é só ele que sabe ler pessoas, a idade dele cabia muito bem na série que ele falou, mas eu peguei ele. Aquele garoto feliz agora não me encarava nos olhos, a refeição já não estava assim tão fantástica, a questão é, por quê?
- Que que foi Glauber?
- Nada não patrão.
- Agora virei patrão?
Nada, não saía mais nada do menino.
- Vamos, fale, te fiz uma pergunta rapaz! Tava falando pelos cotovelos até agora!
- A questão é o seguinte, eu não peço muito, só quero pra comer, não reclamo da vida porque sei que tem gente que vive pior, dai quando aparece uns figura igual você, fico feliz da vida, porque a grana que economizei do rango de agora pode virar uma roupa lá em casa, uma conta, mas vocês nunca conseguem ficar de boca calada, sempre fazem as perguntas erradas.
Nada, até agora nada, entendi o porquê dele estar encabulado, foi minha pergunta, mas isso era óbvio, não é a primeira vez que pago lanche para alguém e faço essa pergunta, mas sempre tenho a esperança de encontrar um que seja diferente, esse está perto, espero que seja quem eu estou procurando.
- Vamos, me fale, você tá bravo, já sei que foi pela minha pergunta, mas quero saber o que foi exatamente! Porque se fiz algo errado, eu te devo desculpas, mas caso contrário, você me deve desculpas.
- Porque eu te deveria desculpas? Acha que um lanche compra desculpas?
- Não, e você sabe disso, tá só se esquivando agora, você é criança, vive muito tempo na rua, mas é diferente e sabe disso, não me trate como trata os outros e eu não faço o mesmo com você, que tal? Vamos, me fala o que aconteceu?
- Você não tem nada a ver com minha vida tiu, eu quero estudar, nao quero ficar na rua, vejo as meninas bunita passar na rua, quem vai querer namorar com um muleque que vigia carro? Eu quero ter o meu carro, e dar moeda para os "trabalhadores" que vigiam carro, e dizer que eu já fiz isso um dia também.
- Bacana, muito nobre da sua parte, mas até agora eu ainda não escutei o que queria, porque se você quer estudar, podia ter falado isso...
- Eu menti tiu, eu menti, não é todo mundo que paga lanche não, e quando paga, dá o dinheiro para eu não ficar falando, e quando vem na lanchonete, senta em mesa separada, você foi gente boa, e eu menti para você, to puto com isso!
Bingo, meus olhos enchem de água, como pode a natureza ser tão perfeita? Nos ambientes mais improváveis, as mais belas formas de vida existem, ensinando o quão fantástico esse mundo pode ser!
- Então você está chateado porque mentiu para quem foi legal com você?
- É, é isso.
E ele não abaixou a cabeça, não ficou com vergonha, falou olhando nos meus olhos esperando a minha reação.
- Então você não me deve desculpas rapaz, eu que lhe devo desculpas, mas não pela pergunta que fiz, mas sim por ter feito você mentir, ainda que não fosse essa minha intenção!
Mas isso não recobrou aquela felicidade que ele estava quando começou a comer. Meti a mão no bolso e apertei o telefone do falso toque, o melhor aplicativo de celular do mundo, de todos mundos! Com um toque você faz o celular tocar, com um número aleatório aparecendo no display e tudo, melhor forma de sair de uma conversa indesejada.
- Oi... tudo tranqüilo, e você?... Bom também!... Não, o médico cancelou a consulta, dai estou aqui comendo um lanche com um amigo... firmeza, depois agente se fala.
Com o canto de olho eu fiquei observando ele, quando disse "amigo", ele não conseguiu conter no canto dos lábios um breve sorriso, que ainda não deixou ele feliz, mas certamente fez ele se sentir respeitado, considerado, parte de algo.
Me despedi do garoto, que ficou atrás falando que podia dar ré sem nem olhar para o carro, um bom garoto esse Glauber, quem sabe um dia eu volto para terminar isso. Chegar em casa, tomar banho e dormir, amanhã é um novo dia, espero que seja tão fantástico quanto esse.

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