Subscribe:

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Chapter II - Algorithm

Chegar em casa no final do dia é quase uma cerimônia, uma rotina, mas eu prefiro o termo algoritmo, nunca muda muita coisa, é sempre uma seqüência lógica (não tão lógica assim). Eu deixo o carro no estacionamento do condomínio e vou até o elevador, tenho uma ótima vaga, são apenas 11 passos até o elevador, eu moro no oitavo, meu prédio possui doze andares. Chego no meu piso e são mais 9 passos até a porta, moro em um loft, sempre quis um, mas pelos preços nunca achei que conseguiria comprar, mas as coisas sempre aconteceram comigo, e eu sempre acreditei que se as coisas tinham dado certo até agora não tinha o porque pensar que elas iriam parar de dar certo. Profissionalmente, eu diria tudo certo, e no resto... bom, no resto eu vou explicando aos poucos.
Quando abro a porta já pego meu controle universal que fica preso na parede ao lado da porta, parece brincadeira, eu lembro que quando era mais novo vi um filme que um cara tinha um controle desses que ele podia controlar o tempo e as pessoas, o meu não faz tudo isso, mas parece um palm, nele eu controle luzes, som e segurança. Passo pelo canto de trabalho e deixo minha maleta e ligo meu notebook pessoal, falo que ele é pessoal porque tenho um na maleta para trabalho e um em casa para o resto, melhor dividir certas coisas, não quero correr o risco de expor certas coisas pessoais minhas. Tiro minha camisa e penduro no cabideiro, sento no banquinho ao lado e tiro os sapatos, volto ao computador e abro o navegador com suas milhares de páginas carregadas da ultima sessão. Vou direto para o banheiro e tomo um banho, só coloco cueca e roupão, nada como estar em casa e poder andar livremente. Passo pela geladeira, vejo o que a Dona Maria deixou para mim – Depois falo mais sobre essa senhora fantástica que é um anjo na minha vida – e coloco para esquentar, volto ao notebook e vejo minhas principais notícias, quando o microondas apita é hora de comer, nesse ponto meu algoritmo termina, mas essa primeira parte se repete todos os dias.
Hoje eu cheguei em casa mais tarde que o normal, costumo chegar as 19:30h em casa, agora já é 22h, por conta do tempo que perdi no consultório e o tempo que passei conversando com o Glauber, mas vamos agora falar da D. Maria, a louca! Ela sempre ri quando eu a chamo assim, ela mora no primeiro andar, professora de história aposentada, tem seus 56 anos, aposentou ano passado e bateu na minha porta, disse que tinha me observado no ultimo ano, e que um rapaz da minha idade precisava de alguém para tomar conta, e como viu que não tinha mulher rondando pela minha casa, ia arrumar minha casa e uma namorada para mim, muito simpática.
Ela realmente me ajuda, chega em casa antes de eu sair já com pãozinho quente, normalmente quando estou me vestindo escuto o barulho da porta batendo. Ela também fica em casa e arruma tudo, ela que colocou o cabideiro e o banquinho no cantinho estratégico, pela manhã ela mesmo já recolhe minha roupa e sapato do dia anterior e deixa tudo pronto para o dia seguinte, também faz o almoço dela e come aqui em casa mesmo, do que sobra leva um pouco para o jantar dela e deixa um pouco para minha janta. É fato que ela me acostuma mal, e tudo fica mais fácil para ela, mas ela mora sozinha, viúva a mais de dez anos, e o único filho nunca dá as caras, temos nossos momentos de descontração pelas manhãs. Ela recebe um bom salário, mas vivo dando presentes, não deixo faltar nada nem aqui nem na casa dela, uma vez por mês vamos fazer compras juntos, a minha e a dela, e sempre arrumo uma desculpa e acabo pagando as duas.
A vizinha da D. Maria sempre fala que eu sou um anjo, que morria de medo que um dia ela pudesse cometer suicídio porque vivia muito triste morando sozinha, que só tinha os alunos, e quando se aposentasse não teria mais nada, que eu ter dado um emprego salvou a vida dela. Quanta bobagem. A D. Maria é uma pessoa inteligente, independente, ela não precisa do dinheiro, não precisa da atividade, o que faltava era alguém para conversar, um amigo, e a própria vizinha poderia ter feito isso, e agora acha que eu fiz muito, mas a maioria das pessoas pensa assim, ficam esperando por coisas milagrosas quando simples detalhes podem fazer toda a diferença.
Mas eu nunca destrato a D. Fátima, a vizinha da D. Maria, ela tem uma filha de 23 anos muito bonita, desde que terminou o ensino médio trabalha em uma loja de roupas no shopping, sempre que me vê diz que está estudando para o vestibular, e eu sempre ofereço ajuda, mas no fundo sei que ela nunca estuda, e eu sei que nunca vou ajudar, as palavras são trocadas apenas para poder flertar, e os dois se sentirem valorizados, puro instinto animal, e por mais que eu sempre engrandeça o instinto racional, eu amo flertar, porque o desconhecido é fantástico, você imagina e põe a forma que você quiser, a partir do momento que sai do flerte e vai para o próximo passo, você ganha muito benefícios, mas também passa a conhecer os defeitos da pessoa, e muitas vezes isso tira o encanto. Mas a Júlia ainda está na minha lista, qualquer dia eu chego nela e obrigo a coitada a estudar, ela merece seu lugar ao sol, todos merecem.
A verdade é que a Júlia também livra minha cara com minha família, da ultima vez que meus pais vieram me visitar eles viram a troca de olhares entre nós dois, quando minha mãe perguntou: “– Quem é essa? Bonita...”, eu vi ali minha oportunidade. Fiz o que sempre fiz com minha família, escondi meus sentimentos, coloquei falsos indicadores para fora e fiz ela acreditar que tudo estava bem, fiz aquela cara que todo mundo reconhece quando vê, de que tem mais ali do que realmente está falando, eu deixei a boca reta tentando suprimir um sorriso que surgia de apenas um lado do rosto enquanto levantava uma de minas sobrancelhas serrando os olhos, perfeito, pelo menos aos olhos destreinados da minha mãe, ela disse: “–Ah, sabia que tinha visto os dois trocando olhares!”, é claro que eu disse que não tinha nada, enquanto forçava uma risada sem graça, e ela disse que acreditava em mim, que já tinha visto muito desse “nada” no mundo, mas que fingia que tava enganada. E realmente estava.
Esse problema com minha família é porque eles acham que tem algo de errado comigo, tenho 27 anos, bem sucedido profissionalmente, tenho minha própria casa – uma bela de uma casa, diga-se de passagem –, um carro que é o sonho de consumo de muito gente, sou inteligente, educado, calmo... Como é que posso estar solteiro? A resposta é bem simples: eu sou defeituoso.
Defeituoso, palavra que pode passar uma conotação negativa, mas que eu aprendi a gostar com o tempo. Nós vivemos em um mundo cercado por padrões, a diferença entre a loucura e a genialidade é apenas a margem de sucesso, e é puramente nisso que eu acredito. Vamos falar sobre moda, a diferença entre o brega e o bem vestido é apenas a opinião pública, pois o que já foi moda pode ser brega nos dias de hoje, e para mim defeituoso é quase isso, o mundo possui um padrão, qualquer coisa fora da margem de erro desse padrão é considerado defeituoso, assim como eu.
Eu tenho conceitos que não consigo quebrar, e outros que quebro muito fácil. Eu possuo uma posição de poder, sou dono de uma empresa que cresceu abruptamente nos últimos anos, sou sério, educado, inteligente. Isso faz com que vez ou outra garotas se iludam por essas características e se interessem por mim, é claro que pretendo encontrar alguém um dia e serão essas características que vão atrair minha parceira, mas ao mesmo momento, não posso dar falsas esperançar a essas meninas, não posso bagunçar com a vida delas, porque não é legal, eu tenho uma irmã, ela é casada e tem uma filha linda de 3 anos, se algum palhaço aparecesse com falsas promessas para ela e se aproveitasse da situação, eu mataria o cara, e não é só porque minha irmã já casou que eu posso aprontar agora. Se eu não tenho intenção de nada sério com a garota, não tem o porque de eu fazer ela gastar o tempo comigo, porque eu já sei o final, ela sofre, eu fico com fama de babaca, quando na verdade, ela que não quis escutar o que eu disse desde o primeiro dia, que não daria certo. Mas minha mãe não entende isso, ela acha que eu tenho que arrumar uma namorada, como se fosse simples gostar de alguém.
Esse tem sido meu dilema desde que era adolescente, verdade que tive algumas namoradas, a primeira foi bem sério, quase três anos, depois a próxima durou seis meses, depois três, e desde então nenhuma passou do terceiro encontro. Isso preocupa minha família, mas minha mãe não tem culpa, é função dela se preocupar com essas coisas, senão não seria uma boa mãe. Às vezes quase me convenço de que nasci para ficar sozinho, isso me chateia, porque isso é ruim, muito ruim, mas é uma condição que não depende muito de mim, posso me esforçar, mas a pessoa certa não faz anúncio no jornal. Tudo isso começou no ginásio, acho que estava na oitava série, tudo aconteceu muito natural, e quando menos esperava, já percebi que era defeituoso, a minha maior duvida talvez seja como cheguei nessa condição, será que escolhi e busquei, sempre fui, ou estava simplesmente fadado a isso?
Começou quando eu entrei na igreja, achei que tinha achado minha salvação, não falo de salvação espiritual, falo de rumo na vida, achei que finalmente tinha encontrado pessoas semelhantes a mim, com os mesmo ideais, doce ilusão...
Eu prestava atenção nos cultos, na escola bíblica, mas reparava que meus amigos ficavam conversando e mandando bilhetinhos, não entendia, porque quando não queria ouvir simplesmente faltava e ficava em casa jogando vídeo game, muito mais simples e prático. Acho que é isso que acontece quando seus pais te obrigam a ir a algum lugar, no meu caso meus pais não freqüentavam a igreja, eu ia sozinho, por opção, algo estranho para um garoto que dez anos de idade, mas eu achava normal, e meus pais sempre incentivavam apesar de não irem.
Passei a acreditar que tinha tido uma ótima educação, pois não tinha um ensinamento que já não me fosse familiar, na verdade era tudo um tanto óbvio, não sei por que alguém perdeu tanto tempo escrevendo tantas regras, não é um tanto óbvio que não devemos fazer inimigo? Que devemos ajudar ao próximo e que não é legal matar ou roubar? Mas com o tempo vi que isso não era tão obvio para todos, daí saquei porque escreveram tudo aquilo.
Quando estava na oitava série que começou a ficar mais claro que eu era defeituoso, já não concordava muito com as idéias dos meus amigos, mas apesar de não quererem ser com eu, sempre buscavam meus conselhos quanto estavam com problemas, virei meio que conselheiro da galera, e já era o líder intelectual da turma, tirava as melhores notas e sempre ajudava quem precisava, quando percebi já era um lidar natural na sala de aula, achava isso o máximo, tinha o respeito de todos, inclusive de alguns professores, achava isso muito bom, mas ainda não tinha noção das responsabilidades que isso me traria, mas foram bons tempos, tenho saudade deles.
Tudo fica mais difícil quando você vai ficando mais velho, o pessoal como a ter mais acesso a bebidas e drogas, muitos experimentaram, alguns pararam, alguns se perderam, e uns poucos aprenderam a administrar e vão seguindo a vida. Eu lamento por todos eles, mas essa é a minha opinião, muitos lamentam por mim também. Fato é que com mais problemas, cada vez mais pessoas me procuravam.
Eu nunca soube ao certo o que eu tenho, mas hoje em dia é assim, eu chego em um ambiente novo, com poucos dias as pessoas começam a se aproximar e começam a falar sobre a vida delas, talvez eu passe confiança, mas nem eu confio em mim mesmo as vezes, é muito estranho isso. É legal fazer parte da vida das pessoas, mas confesso que certas coisas eu preferia não saber, ainda mais porque não posso fazer muita coisa, só posso ouvir. Teve uma época que eu dava conselhos, hoje em dia já não faço mais isso, afinal de contas, quem sou eu para decidir o que alguém deve fazer? E isso é parte do meu problema com as mulheres.
A primeira vez aconteceu na oitava série, Clarissa era o nome dela, minha melhor amiga, mas amiga de classe, nem nos falávamos fora da escola, até que as coisas mudaram um pouco. Sabe quando você é novo e está apaixonado e acha que o mundo vai acabar quando o namoro acaba? A Clarissa passou por isso, ficou depressiva, eu achava exagero para uma menina de 14 anos, o cara era mais velho, tinha 18, e arrumou uma namorada mais velha porque viu que do namoro com minha amiga não ia rolar nada mais físico tão cedo, e o desgraçado ainda falou isso para ela. Eu lembro quando ela perguntou se eu queria estudar na casa dela, eu fui, ingênuo que sou, ou era pelo menos, e naquela tarde conversamos muito, mas estudo não foi o tópico principal da conversa, pelo menos ela não foi muito bem na prova. A Clarissa era bonita, simpática, amiga, daria uma ótima namorada, teria apresentado aos meus pais e tudo, mas foi nesse momento que eu criei um daqueles conceitos que eu não consigo quebrar, eu não consigo mudar de rumo no meio de uma manobra, se chego com intenção de ajudar como amigo, fico como amigo até o fim, isso atrapalha as vezes. Eu vi a Clarissa chorar, e senti raiva do cara, a minha vontade era de quebrar a cara dele, vontade essa que passava logo, nunca briguei, sempre achei melhor conversar do que partir para o físico, é isso que nos separa dos outros animais. Mas quanto mais ela chorava, mas vontade eu sentia de fazer alguma coisa, e eu só abracei ela, e não disse nada, não disse que ia melhorar, mas falei que muitas vezes antes de melhorar as coisas tem que piorar antes, e eu acredito nisso. Conversamos muito naquela tarde, nos aproximamos ainda mais como amigos, e no final do dia ela já estava dando gargalhadas das bobeiras que eu falava, me senti feliz, e acho que ela também.
Mas como sempre, alguma coisa acontece para atrapalhar, e ela veio com uns papos estranhos, e sabia exatamente o que ela queria, mas eu não gostava dela, não da forma que ela estava gostando de mim, mas até então, ninguém ligava para isso, ainda mais na idade que eu tinha, mas considerava abuso meu ter me aproveitado da situação que ela se encontrava. Meus amigos me chamaram de trouxa, minhas amigas acharam que eu tinha me aproveitado e depois pulado fora, eu não achava nada, só me sentia mal.
A Clarissa seguiu em frente, e eu também. Paramos de nos falar, e ela voltou a se apaixonar, e a sofrer, e depois se recuperou, e depois se apaixonou de novo, e assim continuava até a ultima vez que ouvi falar dela.
Situações semelhantes se repetiram, e por isso eu criei regras, o segredo é contato, tempo e profundidade. Nunca toque, nunca gaste muito tempo, nunca entre em detalhes muito profundos. E o mais importante, nunca fale sobre você mesmo. Mas essas regras nem sempre são o suficiente também. É mais fácil com amigos homens, não tenho que me preocupar com esse tipo de coisa, pelo menos nunca passei por nenhum situação constrangedora com um, e prefiro nunca passar também.
Por vezes eu conheço algum garota que está passando por dificuldades, um momento frágil, eu me ofereço para dar suporte, faço o que acho que todo mundo deveria fazer, e não é muito, eu escuto, e faço companhia, e só, mais nada, sem elogios, sem conselhos, sem contatos fisicos, porque sei que o que ela precisa não é um aproveitador, mas um amigo, infelizmente algumas entendem errado e no final das contas acabam confundindo as coisas, confundem minhas boas intenções com segundas intenções, e é por isso que eu digo que sou defeituoso, porque eu não aproveito essas chances. Isso acontece não por eu fazer muito, mas sim pelo resto fazer muito pouco, e o pior de tudo é a fama de sacana que recebo no final, o cara que se aproxima da menina frágil e depois ignora, isso já aconteceu diversas vezes, mas não tenho culpa se as pessoas não entendem. Eu já sofri com isso também, já me aproximei com boas intenções e me apaixonei, e fiquei no prejuízo, mas isso faz parte, ossos do ofícios.
Posso arrumar uma namorada na hora que eu quiser, qualquer um pode, não sou nada especial por conseguir isso, mas não quero dar falsas esperanças a ninguém, principalmente para minha mãe, não quero que ela pense que eu estou um relacionamento sério, e com a minha idade é muito perigoso, porque a maioria pensa que vai dar em casamento. Mas enquanto eu não achar alguém que me compreenda eu vou continuar solteiro, e quando falo em compreensão, falo de alguém que não me faça sentir como se eu fosse defeituoso, pelo menos dentro de casa. Alguém que saiba a forma como eu raciocino, é péssimo acreditar que você é o único do seu tipo, e quando falo único do meu tipo, não estou dizendo que sou melhor ou pior do que ninguém, sou apenas diferente, e sofro muito com isso, mas também não posso deixar as pessoas perceberem isso, porque para fazer o que eu faço eu preciso ser forte, eu ajudo as pessoas, pelo menos gosto de acreditar que realmente faço isso, e ninguém vai buscar ajuda em alguém que julgam fraco, por isso tenho que reprimir meus sentimentos, meus problemas, e vender para o mundo a imagem que o mundo está disposto a comprar.
Eu sei que não sou o cara ideal, e estou muito longe de ser, mas gosto de acredita que se eu observar o suficiente, talvez eu me molde para um cara melhor, evolução, busco isso a todo o momento, mas tenho consciência de que regrido muitas vezes, o que é um ato necessário: uns passos atrás para pegar impulso e depois dar um grande salto para frente.
Mas hora de dormir agora, amanhã é acordar as 6h, ir à academia do condomínio, malhar até as 7h, tomar banho e chegar ao serviço as 8h, outro algoritmo, mas o dia de hoje foi bom, conhecer o menino Glauber valeu o dia.
Acabei de reparar, os detalhes em gesso no teto formam faixas que atravessam o teto de ponta a ponta. Acho que vou mandar tirar. Não, elas ficam bem no teto.

1 comentários:

LARISSA LIRA TOLLSTADIUS disse...

Baaaacana!

Como os seus textos são longos, eu sugiro que você use a marcação de parágrafos com recuo na primeira linha. Também acho que vc pode alaragar a coluna do texto um tiquinho.

Postar um comentário